terça-feira, 24 de março de 2009

Livro dos Médiuns - Introdução

Introdução

Todos os dias a experiência nos traz a confirmação de que as dificuldades e os desenganos, com que muitos topam na prática do Espiritismo, se originam da ignorância dos princípios desta ciência e feliz nos sentimos de haver podido comprovar que o nosso trabalho, feito com o objetivo de precaver os adeptos contra os escolhos de um noviciado, produziu frutos e que à leitura desta obra devem muitos o terem logrado evitá-los. Natural é, que entre os que se ocupam com o Espiritismo, o desejo de poderem pôr-se em comunicação com os Espíritos. Esta obra se destina a lhes achanar o caminho, levando-os a tirar proveito dos nossos longos e laboriosos estudos, porquanto muito falsa idéia formaria aquele que pensasse bastar, para se considerar perito nesta matéria, saber colocar os dedos sobre uma mesa, a fim de fazê-la mover-se, ou segurar um lápis, a fim de escrever.

Enganar-se-ia igualmente quem supusesse encontrar nesta obra uma receita universal e infalível para formar médiuns. Se bem cada um traga em si o gérmen das qualidades necessárias para se tornar médium, tais qualidades existem em graus muito diferentes e o seu desenvolvimento depende de causas que a ninguém é dado conseguir se verifiquem à vontade. As regras da poesia, da pintura e da música não fazem que se tornem poetas, pintores, ou músicos os que não têm o gênio de alguma dessas artes. Apenas guiam os que as cultivam, no emprego de suas faculdades naturais. O mesmo sucede com o nosso trabalho. Seu objetivo consiste em indicar os meios de desenvolvimento da faculdade mediúnica, tanto quanto o permitam as disposições de cada um, e, sobretudo, dirigir-lhe o emprego de modo útil, quando ela exista. Esse, porém, não constitui o fim único a que nos propusemos. De par com os médiuns propriamente ditos, há, a crescer diariamente, uma multidão de pessoas que se ocupam com as manifestações espíritas. Guiá-las nas suas observações, assinalar-lhes os obstáculos que podem e hão de necessariamente encontrar, lidando com uma nova ordem de coisas, iniciá-las na maneira de confabularem com os Espíritos, indicar-lhes os meios de conseguirem boas comunicações, tal o círculo que temos de abranger, sob pena de fazermos trabalho incompleto. Ninguém, pois, se surpreenda de encontrar nele instruções que, à primeira vista, pareçam descabidas; a experiência lhes realçará a utilidade. Quem quer que o estude cuidadosamente melhor compreenderá depois os fatos de que venha a ser testemunha; menos estranha lhe parecerá a linguagem de alguns Espíritos. Como repositório de instrução prática, portanto, a nossa obra não se destina exclusivamente aos médiuns, mas a todos os que estejam em condições de ver e observar os fenômenos espíritas. Não faltará quem desejara publicássemos um manual prático muito sucinto, contendo em poucas palavras a indicação dos processos que se devam empregar para entrar em comunicação com os Espíritos. Pensarão esses que um livro desta natureza, dada a possibilidade de se espalhar profusamente por módico preço, representaria um poderoso meio de propaganda, pela multiplicação dos médiuns. Ao nosso ver, semelhante obra, em vez de útil, seria nociva, ao menos por enquanto. De muitas dificuldades se mostra inçada a prática do Espiritismo e nem sempre isenta de inconvenientes a que só o estudo sério e completo pode obviar. Fora, pois, de temer que uma indicação muito resumida animasse experiências levianamente tentadas, das quais viessem os experimentadores a arrepender-se. Coisas são estas com que não é conveniente, nem prudente, se brinque e mau serviço acreditamos que prestaríamos, pondo-as ao alcance do primeiro estouvado que achasse divertido conversar com os mortos. Dirigimo-nos aos que vêem no Espiritismo um objetivo sério, que lhe compreendem toda a gravidade e não fazem das comunicações com o mundo invisível um passatempo. Havíamos publicado uma Instrução Prática com o fito de guiar os médiuns. Essa obra está hoje esgotada e, embora a tenhamos feito com um fim grave e sério, não a reimprimiremos, porque ainda não a consideramos bastante completa para esclarecer acerca de todas as dificuldades que se possam encontrar. Substituímo-la por esta, em a qual reunimos todos os dados que uma longa experiência e conscienciosos estudos nos permitiram colher. Ela contribuirá, pelo menos assim o esperamos, para imprimir ao Espiritismo o caráter sério que lhe forma a essência e para evitar que haja quem nele veja objeto de frívola ocupação e de divertimento. A essas considerações ainda aditaremos outra, muito importante: a má impressão que produzem nos novatos as experiências levianamente feitas e sem conhecimento de causa, experiências que apresentam o inconveniente de gerar idéias falsas acerca do mundo dos Espíritos e de dar azo à zombaria e a uma crítica quase sempre fundada. De tais reuniões, os incrédulos raramente saem convertidos e dispostos a reconhecer que no Espiritismo haja alguma coisa de sério. Para a opinião errônea de grande número de pessoas, muito mais do que se pensa têm contribuído a ignorância e a leviandade de vários médiuns. Desde alguns anos, o Espiritismo há realizado grandes progressos: imensos, porém, são os que conseguiu realizar, a partir do momento em que tomou rumo filosófico, porque entrou a ser apreciado pela gente instruída. Presentemente, já não é um espetáculo: é uma doutrina de que não mais riem os que zombavam das mesas girantes. Esforçando-nos por levá-lo para esse terreno e por mantê-lo aí, nutrimos a convicção de que lhe granjeamos mais adeptos úteis, do que provocando a torto e a direito manifestações que se prestariam a abusos. Disso temos cotidianamente a prova em o número dos que se hão tornado espíritas unicamente pela leitura de "O Livro dos Espíritos". Depois de havermos exposto, nesse livro, a parte filosófica da ciência espírita, damos nesta obra a parte prática, para uso dos que queiram ocupar-se com as manifestações, quer para fazerem pessoalmente, quer para se inteirarem dos fenômenos que lhes sejam dados observar. Verão, aí, os óbices com que poderão deparar e terão também um meio de evitá-los. Estas duas obras, se bem a segunda constitua seguimento da primeira, são, até certo ponto, independentes uma da outra. Mas, a quem quer que deseje tratar seriamente da matéria, diremos que primeiro leia "O Livro dos Espíritos", porque contém princípios básicos, sem os quais algumas partes deste se tornariam talvez dificilmente compreensíveis. Importantes alterações para melhor foram introduzidas nesta segunda edição, muito mais completa do que a primeira. Acrescentando-lhe grande número de notas e instruções do maior interesse, os Espíritos a corrigiram, com particular cuidado. Como reviram tudo, aprovando-a, ou modificando-a à sua vontade, pode dizer-se que ela é, em grande parte, obra deles, porquanto a intervenção que tiveram não se limitou aos artigos que trazem assinaturas. São poucos esses artigos, porque apenas apusemos nomes quando isso nos pareceu necessário, para assinalar que algumas citações um tanto extensas provieram deles textualmente. A não ser assim, houvéramos de citá-los quase que em todas as páginas, especialmente em seguida a todas as respostas dadas às perguntas que lhes foram feitas, o que se nos afigurou de nenhuma utilidade. Os nomes, como se sabe, importam pouco, em tais assuntos. O essencial é que o conjunto do trabalho corresponda ao fim que colimamos. O acolhimento dado à primeira edição, posto que imperfeita, faz-nos esperar que a presente não encontre menos receptividade. Como lhe acrescentamos muitas coisas e muitos capítulos inteiros, suprimimos alguns artigos, que ficariam em duplicata, entre outros o que tratava da Escala espírita, que já se encontra em "O Livro dos Espíritos". Suprimimos igualmente do "Vocabulário" o que não se ajustava bem no quadro desta obra, substituindo vantajosamente o que foi supresso por coisas mais práticas. Esse vocabulário, além do mais, não estava completo e tencionamos publicá-lo mais tarde, em separado, sob o formato de um pequeno dicionário de filosofia espírita. Conservamos nesta edição apenas as palavras novas ou especiais, pertinentes aos assuntos de que nos ocupamos.

Livro dos Médiuns - Primeira Parte Noções preliminares CAPÍTULO I Há Espíritos?

Primeira Parte
Noções preliminares
CAPÍTULO I
Há Espíritos?

1. A dúvida, no que concerne à existência dos Espíritos, tem como causa primária a ignorância acerca da verdadeira natureza deles. Geralmente, são figurados como seres à parte na criação e de cuja existência não está demonstrada a necessidade. Muitas pessoas, mais ou menos como as que só conhecem a História pelos romances, apenas os conhecem através dos contos fantásticos com que foram acalentadas em criança.

Sem indagarem se tais contos, despojados dos acessórios ridículos, encerram algum fundo de verdade, essas pessoas unicamente se impressionam com o lado absurdo que eles revelam. Sem se darem ao trabalho de tirar a casca amarga, para achar a amêndoa, rejeitam o todo, como fazem, relativamente à religião, os que, chocados por certos abusos, tudo englobam numa só condenação.

Seja qual for a idéia que dos Espíritos se faça, a crença neles necessariamente se funda na existência de um princípio inteligente fora da matéria. Essa crença é incompatível com a negação absoluta deste princípio. Tomamos, conseguintemente, por ponto de partida, a existência, a sobrevivência e a individualidade da alma, existência, sobrevivência e individualidade que têm no Espiritualismo a sua demonstração teórica e dogmática e, no Espiritismo, a demonstração positiva. Abstraiamos, por um momento, das manifestações propriamente ditas e, raciocinando por indução, vejamos a que conseqüências chegaremos.

2. Desde que se admite a existência da alma e sua individualidade após a morte, forçoso é também se admita:

1. que a sua natureza difere da do corpo, visto que, separada deste, deixa de ter as propriedades peculiares ao corpo;
2. que goza da consciência de si mesma, pois que é passível de alegria, ou de sofrimento, sem o que seria um ser inerte, caso em que possuí-la de nada nos valeria.

Admitido isso, tem-se que admitir que essa alma vai para alguma parte. Que vem a ser feito dela e para onde vai?

Segundo a crença vulgar, vai para o céu, ou para o inferno. Mas, onde ficam o céu e o inferno? Dizia-se outrora que o céu era em cima e o inferno embaixo. Porém, o que são o alto e o baixo no Universo, uma vez que se conhecem a esfericidade da Terra, o movimento dos astros, movimento que faz com que o que em dado instante está no alto esteja, doze horas depois, embaixo, e o infinito do espaço, através do qual o olhar penetra, indo a distâncias consideráveis? Verdade é que por lugares inferiores também se designam as profundezas da Terra. Mas, que vêm a ser essas profundezas, desde que a Geologia as esquadrinhou? Que ficaram sendo, igualmente, as esferas concêntricas chamadas céu de fogo, céu das estrelas, desde que se verificou que a Terra não é o centro dos mundos, que mesmo o nosso Sol não é único, que milhões de sóis brilham no Espaço, constituindo cada um o centro de um turbilhão planetário? A que ficou reduzida a importância da Terra, mergulhada nessa imensidade? Por que injustificável privilégio este quase imperceptível grão de areia, que não avulta pelo seu volume, nem pela sua posição, nem pelo papel que lhe cabe desempenhar, seria o único planeta povoado de seres racionais? A razão se recusa a admitir semelhante nulidade do infinito e tudo nos diz que os diferentes mundos são habitados. Ora, se são povoados, também fornecem seus contingentes para o mundo das almas. Porém, ainda uma vez, que terá sido feito dessas almas, depois que a Astronomia e a Geologia destruíram as moradas que se lhes destinavam e, sobretudo, depois que a teoria, tão racional, da pluralidade dos mundos, as multiplicou ao infinito?

Não podendo a doutrina da localização das almas harmonizar-se com os dados da Ciência, outra doutrina mais lógica lhes assina por domínio, não um lugar determinado e circunscrito, mas o espaço universal: formam elas um mundo invisível, em o qual vivemos imersos, que nos cerca e acotovela incessantemente. Haverá nisso alguma impossibilidade, alguma coisa que repugne à razão? De modo nenhum; tudo, ao contrário, nos afirma que não pode ser de outra maneira.

Mas, então, que vem a ser das penas e recompensas futuras, desde que se lhes suprimam os lugares especiais onde se efetivem? Notai que a incredulidade, com relação a tais penas e recompensas, provam geralmente de serem umas e outras apresentadas em condições inadmissíveis. Dizei, em vez disso, que as almas tiram de si mesmas a sua felicidade ou a sua desgraça; que a sorte lhes está subordinada ao estado moral; que a reunião das que se votam mútua simpatia e são boas representa para elas uma fonte de ventura; que, de acordo com o grau de purificação que tenham alcançado, penetram e entrevêem coisas que almas grosseiras não distinguem, e toda gente compreenderá sem dificuldade. Dizei mais que as almas não atingem o grau supremo, senão pelos esforços que façam por se melhorarem e depois de uma série de provas adequadas à sua purificação; que os anjos são almas que galgaram o último grau da escala, grau que todas podem atingir, tendo boa-vontade; que os anjos são os mensageiros de Deus, encarregados de velar pela execução de seus desígnios em todo o Universo, que se sentem ditosos com o desempenho dessas missões gloriosas, e lhes tereis dado à felicidade um fim mais útil e mais atraente, do que fazendo-a consistir numa contemplação perpétua, que não passaria de perpétua inutilidade. Dizei, finalmente, que os demônios são simplesmente as almas dos maus, ainda não purificadas, mas que podem, como as outras, ascender ao mais alto cume da perfeição e isto parecerá mais conforme à justiça e à bondade de Deus, do que a doutrina que os dá como criados para o mal e ao mal destinados eternamente. Ainda uma vez: aí tendes o que a mais severa razão, a mais rigorosa lógica, o bom-senso, em suma, podem admitir.

Ora, essas almas que povoam o Espaço são precisamente o a que se chama Espíritos. Assim, pois, os Espíritos não são senão as almas dos homens, despojadas do invólucro corpóreo. Mais hipotética lhes seria a existência, se fossem seres à parte. Se, porém, se admitir que há almas, necessário também será se admita que os Espíritos são simplesmente as almas e nada mais. Se se admite que as almas estão por toda parte, ter-se- á que admitir, do mesmo modo, que os Espíritos estão por toda parte. Possível, portanto, não fora negar a existência dos Espíritos, sem negar a das almas.

3. Isto não passa, é certo, de uma teoria mais racional do que a outra. Porém, já é muito que seja uma teoria que nem a razão, nem a ciência repelem. Acresce que, se os fatos a corroboram, tem ela por si a sanção do raciocínio e da experiência. Esses fatos se nos deparam no fenômeno das manifestações espíritas, que, assim, constituem a prova patente da existência e da sobrevivência da alma. Muitas pessoas há, entretanto, cuja crença não vai além desse ponto; que admitem a existência das almas e, conseguintemente, a dos Espíritos, mas que negam a possibilidade de nos comunicarmos com eles, pela razão, dizem, de que seres imateriais não podem atuar sobre a matéria. Esta dúvida assenta na ignorância da verdadeira natureza dos Espíritos, dos quais em geral fazem idéia muito falsa, supondo-os erradamente seres abstratos, vagos e indefinidos, o que não é real.

Figuremos, primeiramente, o Espírito em união com o corpo. Ele é o ser principal, pois que é o ser que pensa e sobrevive. O corpo não passa de um acessório seu, de um invólucro, uma veste, que ele deixa, quando usada. Além desse invólucro material, tem o Espírito um segundo, semimaterial, que o liga ao primeiro. Por ocasião da morte, despoja-se deste, porém não do outro, a que damos o nome de perispírito. Esse invólucro semimaterial, que tem a forma humana, constitui para o Espírito um corpo fluídico, vaporoso, mas que, pelo fato de nos ser invisível no seu estado normal, não deixa de ter algumas das propriedades da matéria. O Espírito não é, pois, um ponto, uma abstração; é um ser limitado e circunscrito, ao qual só falta ser visível e palpável, para se assemelhar aos seres humanos. Por que, então, não haveria de atuar sobre a matéria? Por ser fluídico o seu corpo? Mas, onde encontra o homem os seus mais possantes motores, senão entre os mais rarificados fluidos, mesmo entre os que se consideram imponderáveis, como, por exemplo, a eletricidade? Não é exato que a luz, imponderável, exerce ação química sobre a matéria ponderável? Não conhecemos a natureza íntima do perispírito. Suponhamo-lo, todavia, formado de matéria elétrica, ou de outra tão sutil quanto esta: por que, quando dirigido por uma vontade, não teria propriedade idêntica à daquela matéria?

4. A existência da alma e a de Deus, conseqüência uma da outra, constituindo a base de todo o edifício, antes de travarmos qualquer discussão espírita, importa indaguemos se o nosso interlocutor admite essa base. Se a estas questões:

Credes em Deus?
Credes que tendes uma alma?
Credes na sobrevivência da alma após a morte?

responder negativamente, ou, mesmo, se disser simplesmente: Não sei; desejara que assim fosse, mas não tenho a certeza disso, o que, quase sempre, eqüivale a uma negação polida, disfarçada sob uma forma menos categórica, para não chocar bruscamente o a que ele chama preconceitos respeitáveis, tão inútil seria ir além, como querer demonstrar as propriedades da luz a um cego que não admitisse a existência da luz. Porque, em suma, as manifestações espíritas não são mais do que efeitos das propriedades da alma. Com semelhante interlocutor, se se não quiser perder tempo, ter-se- á que seguir muito diversa ordem de idéias.

Admitida que seja a base, não como simples probabilidade, mas como coisa averiguada, incontestável, dela muito naturalmente decorrerá a existência dos Espíritos.

5. Resta agora a questão de saber se o Espírito pode comunicar-se com o homem, isto é, se pode com este trocar idéias. Por que não? Que é o homem, senão um Espírito aprisionado num corpo? Por que não há de o Espírito livre se comunicar com o Espírito cativo, como o homem livre com o encarcerado?

Desde que admitis a sobrevivência da alma, será racional que não admitais a sobrevivência dos afetos? Pois que as almas estão por toda parte, não será natural acreditarmos que a de um ente que nos amou durante a vida se acerque de nós, deseje comunicar-se conosco e se sirva para isso dos meios de que disponha? Enquanto vivo, não atuava ele sobre a matéria de seu corpo? Não era quem lhe dirigia os movimentos? Por que razão, depois de morto, entrando em acordo com outro Espírito ligado a um corpo, estaria impedido de se utilizar deste corpo vivo, para exprimir o seu pensamento, do mesmo modo que um mudo pode servir-se de uma pessoa que fale, para se fazer compreendido?

6. Abstraiamos, por instante, dos fatos que, ao nosso ver, tornam incontestável a realidade dessa comunicação; admitamo-la apenas como hipótese. Pedimos aos incrédulos que nos provem, não por simples negativas, visto que suas opiniões pessoais não podem constituir lei, mas expendendo razões peremptórias, que tal coisa não pode dar-se. Colocando-nos no terreno em que eles se colocam, uma vez que entendem de apreciar os fatos espíritas com o auxílio das leis da matéria, que tirem desse arsenal qualquer demonstração matemática, física, química, mecânica, fisiológica e provem por a mais b, partindo sempre do principio da existência e da sobrevivência da alma:

1. que o ser pensante, que existe em nós durante a vida, não mais pensa depois da morte;
2. que, se continua a pensar, está inibido de pensar naqueles a quem amou;
3. que, se pensa nestes, não cogita de se comunicar com eles;
4. que, podendo estar em toda parte, não pode estar ao nosso lado;
5. que, podendo estar ao nosso lado, não pode comunicar-se conosco;
6. que não pode, por meio do seu envoltório fluídico, atuar sobre a matéria inerte;
7. que, sendo-lhe possível atuar sobre a matéria inerte, não pode atuar sobre um ser animado;
8. que, tendo a possibilidade de atuar sobre um ser animado, não lhe pode dirigir a mão para fazê-lo escrever;
9. que, podendo fazê-lo escrever, não lhe pode responder às perguntas, nem lhe transmitir seus pensamentos.

Quando os adversários do Espiritismo nos provarem que isto é impossível, aduzindo razões tão patentes quais as com que Galileu demonstrou que o Sol não é que gira em torno da Terra, então poderemos considerar-lhes fundadas as dúvidas. Infelizmente, até hoje, toda a argumentação a que recorrem se resume nestas palavras: Não creio, logo isto é impossível. Dir-nos-ão, com certeza, que nos cabe a nós provar a realidade das manifestações. Ora, nós lhes damos, pelos fatos e pelo raciocínio, a prova de que elas são reais. Mas, se não admitem nem uma, nem outra coisa, se chegam mesmo a negar o que vêem, toca-lhes a eles provar que o nosso raciocínio é falso e que os fatos são impossíveis.

Livro dos Médiuns - CAPÍTULO II Do maravilhoso e do sobrenatural

CAPÍTULO II
Do maravilhoso e do sobrenatural

7. Se a crença nos Espíritos e nas suas manifestações representasse uma concepção singular, fosse produto de um sistema, poderia, com visos de razão, merecer a suspeita de ilusória. Digam-nos, porém, por que com ela deparamos tão vivaz entre todos os povos, antigos e modernos, e nos livros santos de todas as religiões conhecidas? E, respondem os críticos, porque, desde todos os tempos, o homem teve o gosto do maravilhoso.

* Mas, que entendeis por maravilhoso?
* O que é sobrenatural ?
* Que entendeis por sobrenatural?
* O que é contrário às leis da Natureza.
* Conheceis, porventura, tão bem essas leis, que possais marcar limite ao poder de Deus?

Pois bem! Provai então que a existência dos Espíritos e suas manifestações são contrárias às leis da Natureza; que não é, nem pode ser uma destas leis. Acompanhai a Doutrina Espírita e vede se todos os elos, ligados uniformemente à cadeia, não apresentam todos os caracteres de uma lei admirável, que resolve tudo o que as filosofias até agora não puderam resolver.

O pensamento é um dos atributos do Espírito; a possibilidade, que eles têm, de atuar sobre a matéria, de nos impressionar os sentidos e, por conseguinte, de nos transmitir seus pensamentos, resulta, se assim nos podemos exprimir, da constituição fisiológica que lhes é própria. Logo, nada há de sobrenatural neste fato, nem de maravilhoso. Tornar um homem a viver depois de morto e bem morto, reunirem-se seus membros dispersos para lhe formarem de novo o corpo, sim, seria maravilhoso, sobrenatural, fantástico. Haveria aí uma verdadeira derrogação da lei, o que somente por um milagre poderia Deus praticar. Coisa alguma, porém, de semelhante há na Doutrina Espírita.

8. Entretanto, objetarão, admitis que um Espírito pode suspender uma mesa e mantê-la no espaço sem ponto de apoio. Não constitui isto um a derrogação da lei de gravidade? - Constitui, mas da lei conhecida; porém, já a Natureza disse a sua última palavra? Antes que se houvesse experimentado a força ascensional de certos gases, quem diria que uma máquina pesada, carregando muitos homens, fosse capaz de triunfar da força de atração? Aos olhos do vulgo, tal coisa não pareceria maravilhosa, diabólica? Por louco houvera passado aquele que, há um século, se tivesse proposto a transmitir um telegrama a 500 léguas de distância e a receber a resposta, alguns minutos depois. Se o fizesse, toda gente creria ter ele o diabo às suas ordens, pois que, àquela época, só ao diabo era possível andar tão depressa. Porque, então, um fluido desconhecido não poderia, em dadas circunstâncias, ter a propriedade de contrabalançar o efeito da gravidade, como o hidrogênio contrabalança o peso do balão? Notemos, de passagem, que não fazemos uma assimilação, mas apenas urna comparação, e unicamente para mostrar, por analogia, que o fato não é fisicamente impossível.

Ora, foi exatamente por quererem, ao observar estas espécies de fenômenos, proceder por assimilação que os sábios se transviaram.

Em suma, o fato aí está. Não há, nem haverá negação que possa fazer não seja ele real, porquanto negar não é provar. Para nós, não há coisa alguma sobrenatural. É tudo o que, por agora, podemos dizer.

9. Se o fato ficar comprovado, dirão, aceitá-lo-emos; aceitaríamos mesmo a causa a que o atribuís, a de um fluido desconhecido. Mas, quem nos prova a intervenção dos Espíritos? Aí é que está o maravilhoso, o sobrenatural.

Far-se-ia mister aqui uma demonstração completa, que, no entanto, estaria deslocada e, ao demais, constituiria uma repetição, visto que ressalta de todas as outras partes do ensino. Todavia, resumindo-a nalgumas palavras, diremos que, em teoria, ela se funda neste princípio: todo efeito inteligente há de ter uma causa inteligente e, do ponto de vista prático, na observação de que, tendo os fenômenos ditos espíritas dado provas de inteligência, fora da matéria havia de estar a causa que os produzia e de que, não sendo essa inteligência a dos assistentes - o que a experiência atesta - havia de lhes ser exterior. Pois que não se via o ser que atuava, necessariamente era um ser invisível.

Assim foi que, de observação em observação, se chegou ao reconhecimento de que esse ser invisível, a que deram o nome de Espírito, não é senão a alma dos que viveram corporalmente, aos quais a morte arrebatou o grosseiro invólucro visível, deixando-lhes apenas um envoltório etéreo, invisível no seu estado normal. Eis, pois, o maravilhoso e o sobrenatural reduzidos à sua mais simples expressão.

Uma vez comprovada a existência de seres invisíveis, a ação deles sobre a matéria resulta da natureza do envoltório rio fluídico que os reveste. É inteligente essa ação, porque, ao morrerem, eles perderam tão-somente o corpo, conservando a inteligência que lhes constitui a essência mesma. Aí está a chave de todos esses fenômenos tidos erradamente por sobrenaturais. A existência dos Espíritos não é, portanto, um sistema preconcebido, ou uma hipótese imaginada para explicar os fatos: é o resultado de observações e conseqüência natural da existência da alma. Negar essa causa é negar a alma e seus atributos. Dignem-se de apresentá-la os que pensem em poder dar desses efeitos inteligentes uma explicação mais racional e, sobretudo, de apontar a causa de todos os fatos, e então será possível discutir-se o mérito de cada uma.

10. Para os que consideram a matéria a única potência da Natureza, tudo o que não pode ser explicado pelas leis da matéria é maravilhoso, ou sobrenatural, e, para eles, maravilhoso é sinônimo de superstição. Se assim fosse, a religião, que se baseia na existência de um princípio imaterial, seria um tecido de superstições. Não ousam dizê-lo em voz alta, mas dizem-no baixinho e julgam salvar as aparências concedendo que uma religião é necessária ao povo e às crianças, para que se tornem ajuizados. Ora, uma de duas, ou o princípio religioso é verdadeiro, ou falso. Se é verdadeiro, ele o é para toda gente, se falso, não tem maior valor para os ignorantes do que para os instruídos.

11. Os que atacam o Espiritismo, em nome do maravilhoso, se apóiam geralmente no princípio materialista, porquanto, negando qualquer efeito extramaterial, negam, ipso facto, a existência da alma. Sondai-lhes, porém, o fundo das consciências, perscrutai bem o sentido de suas palavras e descobrireis quase sempre esse princípio, se não categoricamente formulado, germinando por baixo da capa com que o cobrem, a de uma pretensa filosofia racional. Lançando à conta do maravilhoso tudo o que decorre da existência da alma, são, pois, conseqüentes consigo mesmos: não admitindo a causa, não podem admitir os efeitos. Daí, entre eles, uma opinião preconcebida, que os torna impróprios para julgar lisamente do Espiritismo, visto que o princípio donde partem é o da negação de tudo o que não seja material.

Quanto a nós, dar-se-á aceitemos todos os fatos qualificados de maravilhosos, pela simples razão de admitirmos os efeitos que são a conseqüência da existência da alma? Dar-se-á sejamos campeões de todos os sonhadores, adeptos de todas as utopias, de todas as excentricidades sistemáticas? Quem o supuser, demonstrará bem minguado conhecimento do Espiritismo. Mas, os nossos adversários não atentam nisto muito de perto. O de que menos cuidam é da necessidade de conhecerem aquilo de que falam.

Segundo eles, o maravilhoso é absurdo; ora, o Espiritismo se apóia em fatos maravilhosos, logo o Espiritismo é absurdo. E consideram sem apelação esta sentença. Acham que opõem um argumento irretorquível quando, depois de terem procedido a eruditas pesquisas acerca dos convulsionários de Saint-Médard, dos fanáticos de Cevenas, ou das religiosas de Loudun, chegaram à descoberta de patentes embustes, que ninguém contesta. Semelhantes histórias, porém, serão o evangelho do Espiritismo? Terão seus adeptos negado que o charlatanismo há explorado, em proveito próprio, alguns fatos? que outros sejam frutos da imaginação? que muitos tenham sido exagerados pelo fanatismo? Tão solidário é ele com as extravagâncias que se cometam em seu nome, quanto a verdadeira ciência com os abusos da ignorância, ou a verdadeira religião com os excessos do sectarismo. Muitos críticos se limitam a julgar do Espiritismo pelos contos de fadas e pelas lendas populares que lhe são as facções. O mesmo fora julgar da História pelos romances históricos, ou pelas tragédias.

12. Em lógica elementar, para se discutir uma coisa, preciso se faz conhecê-la, porquanto a opinião de um crítico só tem valor, quando ele fala com perfeito conhecimento de causa. Então, somente, sua opinião, embora errônea, poderá ser tomada em consideração Que peso, porém, terá quando ele trata do que não conhece? A legitima crítica deve demonstrar, não só erudição, mas também profundo conhecimento do objeto que versa, juízo reto e imparcialidade a toda prova, sem o que, qualquer menestrel poderá arrogar-se o direito de julgar Rossini e um pinta-monos o de censurar Rafael.

13. Assim, o Espiritismo não aceita todos os fatos considerados maravilhosos, ou sobrenaturais. Longe disso, demonstra a impossibilidade de grande número deles e o ridículo de certas crenças, que constituem a superstição propriamente dita. É exato que, no que ele admite, há coisas que, para os incrédulos, São puramente do domínio do maravilhoso, ou por outra, da superstição. Seja. Mas, ao menos, discuti apenas esses pontos, porquanto, com relação aos demais, nada há que dizer e pregais em vão. Atendo-vos ao que ele próprio refuta, provais ignorar o assunto e os vossos argumentos erram o alvo.

Porém, até onde vai a crença do Espiritismo? perguntarão. Lede, observai e sabê-lo-eis. Só com o tempo e o estudo se adquire o conhecimento de qualquer ciência. Ora, o Espiritismo, que entende com as mais graves questões de filosofia, com todos os ramos da ordem social, que abrange tanto o homem físico quanto o homem moral, é, em si mesmo, uma ciência, uma filosofia, que já não podem ser aprendidas em algumas horas, como nenhuma outra ciência.

Tanta puerilidade haveria em se querer ver todo o Espiritismo numa mesa girante, como toda a física nalguns brinquedos de criança. A quem não se limite a ficar na superfície, são necessários, não algumas horas somente, mas meses e anos, para lhe sondar todos os arcanos. Por aí se pode apreciar o grau de saber e o valor da opinião dos que se atribuem o direito de julgar, porque viram uma ou duas experiências, as mais das vezes por distração ou divertimento. Dirão eles com certeza que não lhes sobram lazeres para consagrarem a tais estudos todo o tempo que reclamam. Está bem; nada a isso os constrange. Mas, quem não tem tempo de aprender uma coisa não se mete a discorrer sobre ela e, ainda menos, a julgá-la, se não quiser que o acoimem de leviano. Ora, quanto mais elevada seja a posição que ocupemos na ciência, tanto menos escusável é que digamos, levianamente, de um assunto que desconhecemos.

14. Resumimos nas proposições seguintes o que havemos expendido:

1. Todos os fenômenos espíritas têm por principio a existência da alma, sua sobrevivência ao corpo e suas manifestações.
2. Fundando-se numa lei da Natureza, esses fenômenos nada têm de maravilhosos, nem de sobrenaturais. no sentido vulgar dessas palavras.
3. Muitos fatos são tidos por sobrenaturais, porque não se lhes conhece a causa; atribuindo-lhes uma causa, o Espiritismo os repõe no domínio dos fenômenos naturais.
4. Entre os fatos qualificados de sobrenaturais, muitos há cuja impossibilidade o Espiritismo demonstra, incluindo-os em o número das crenças supersticiosas.
5. Se bem reconheça um fundo de verdade em muitas crenças populares, o Espiritismo de modo algum dá sua solidariedade a todas as histórias fantásticas que a imaginação há criado.
6. Julgar do Espiritismo pelos fatos que ele não admite é dar prova de ignorância e tirar todo valor à opinião emitida.
7. A explicação dos fatos que o Espiritismo admite, de suas causas e conseqüências morais, forma toda uma ciência e toda uma filosofia, que reclamam estudo sério, perseverante e aprofundado.
8. O Espiritismo não pode considerar crítico sério, senão aquele que tudo tenha visto, estudado e aprofundado com a paciência e a perseverança de um observador consciencioso; que do assunto saiba tanto quanto qualquer adepto instruído; que haja, por conseguinte, haurido seus conhecimentos algures, que não nos romances da ciência; aquele a quem não se possa opor fato algum que lhe seja desconhecido, nenhum argumento de que já não tenha cogitado e cuja refutação faça, não por mera negação, mas por meio de outros argumentos mais peremptórios; aquele, finalmente, que possa indicar, para os fatos averiguados, causa mais lógica do que a que lhes aponta o Espiritismo. Tal crítico ainda está por aparecer.

15. Pronunciamos há pouco a palavra milagre; uma ligeira observação sobre isso não virá fora de propósito, neste capítulo que trata do maravilhoso.

Na sua acepção primitiva e pela sua etimologia, o termo milagre significa coisa extraordinária, coisa admirável de se ver. Mas como tantas outras, essa palavra se afastou do seu sentido originário e hoje, por milagre, se entende (segundo a Academia) um ato do poder divino, contrário às leis comuns da Natureza. Tal, com efeito, a sua acepção usual e apenas por comparação e por metáfora é ela aplicada às coisas vulgares que nos surpreendem e cuja causa se desconhece. De nenhuma forma entra em nossas cogitações indagar se Deus há julgado útil, em certas circunstâncias, derrogar as leis que Ele próprio estabelecera; nosso fim é, unicamente, demonstrar que os fenômenos espíritas, por mais extraordinários que sejam, de maneira alguma derrogam essas leis, que nenhum caráter têm de miraculosos, do mesmo modo que não são maravilhosos, ou sobrenaturais.

O milagre não se explica; os fenômenos espíritas, ao contrário, se explicam racionalissimamente. Não são, pois, milagres, mas simples efeitos, cuja razão de ser se encontra nas leis gerais. O milagre apresenta ainda outro caráter, o de ser insólito e isolado. Ora, desde que um fato se reproduz, por assim dizer, à vontade e por diversas pessoas, não pode ser um milagre.

Todos os dias a ciência opera milagres aos olhos dos ignorantes. Por isso é que, outrora, os que sabiam mais do que o vulgo passavam por feiticeiros; e, como se entendia, então, que toda ciência sobre-humana vinha do diabo, queimavam-nos. Hoje, que já estamos muito mais civilizados, eles apenas são mandados para os hospícios.

Se um homem realmente morto, como dissemos em começo, ressuscitar por intervenção divina, haverá aí verdadeiro milagre, porque isso é contrário às leis da Natureza. Se, porém, tal homem só aparentemente está morto, se ainda há nele um resto de vitalidade latente e a ciência ou uma ação magnética consegue reanimá-lo, um fenômeno natural é o que isso será para pessoas instruídas. Todavia, aos olhos do vulgo ignorante, o fato passará por milagroso, e o autor se verá perseguido a pedradas, ou venerado, conforme o caráter dos indivíduos. Solte um físico, em campo de certa natureza, um papagaio elétrico e faça, por esse meio, cair um raio sobre uma árvore e o novo Prometeu será tido certamente como senhor de um poder diabólico. E, seja dito de passagem, Prometeu nos parece, muito singularmente, ter sido um precursor de Franklin; mas, Josué, detendo o movimento do Sol, ou, antes, da Terra, esse teria operado verdadeiro milagre, porquanto não conhecemos magnetizador algum dotado de tão grande poder, para realizar tal prodígio.

De todos os fenômenos espíritas, um dos mais extraordinários é, incontestavelmente, o da escrita direta e um dos que demonstram de modo mais patente a ação das inteligências ocultas. Mas, da circunstância de ser esse fenômeno produzido por seres ocultos, não se segue que seja mais miraculoso do que qualquer dos outros fenômenos devidos a agentes invisíveis, porque esses seres ocultos, que povoam os espaços, são uma das potências da Natureza, potências cuja ação é incessante, assim sobre o mundo material, como sobre o mundo moral.

Esclarecendo-nos com relação a essa potência, o Espiritismo nos dá a explicação de uma imensidade de coisas inexplicadas e inexplicáveis por qualquer outro meio e que, à falta de toda explicação, passaram por prodígios, nos tempos antigos. Do mesmo modo que o magnetismo, ele nos revela uma lei, se não desconhecida, pelo menos mal compreendida; ou, mais acertadamente, de uma lei que se desconhecia, embora se lhe conhecessem os efeitos, visto que estes sempre se produziram em todos os tempos, tendo a ignorância da lei gerado a superstição. Conhecida ela, desaparece o maravilhoso e os fenômenos entram na ordem das coisas naturais. Eis por que, fazendo que uma mesa se mova, ou que os mortos escrevam, os espíritas não operam maior milagre do que opera o médico que restitui à vida um moribundo, ou o físico que faz cair o raio. Aquele que pretendesse, por meio desta ciência, realizar milagres, seria ou ignorante do assunto, ou embusteiro.

16. Os fenômenos espíritas, assim como os fenômenos magnéticos, antes que se lhes conhecesse a causa, tiveram que passar por prodígios. Ora, como os cépticos, os espíritos fortes, isto é, os que gozam do privilégio exclusivo da razão e do bom-senso, não admitem que uma coisa seja possível, desde que não a compreendam, de todos os fatos considerados prodigiosos fazem objeto de suas zombarias. Pois que a religião conta grande número de fatos desse gênero, não crêem na religião e daí à incredulidade absoluta o passo é curto. Explicando a maior parte deles, o Espiritismo lhes assina uma razão de ser. Vem, pois, em auxílio da religião, demonstrando a possibilidade de muitos que, por perderem o caráter de miraculosos, não deixam, contudo, de ser extraordinários, e Deus não fica sendo menor, nem menos poderoso, por não haver derrogado suas leis. De quantas graçolas não foi objeto o fato de São Cupertino se erguer nos ares! Ora, a suspensão etérea dos corpos graves é um fenômeno que a lei espírita explica. Fomos dele pessoalmente testemunha ocular, e o Sr. Home, assim como outras pessoas de nosso conhecimento, repetiram muitas vezes o fenômeno produzido por São Cupertino. Logo, este fenômeno pertence à ordem das coisas naturais.

17. Entre os deste gênero, devem figurar na primeira linha as aparições, porque são as mais freqüentes A de Salette, sobre a qual divergem as opiniões no seio do próprio clero, nada tem para nós de insólita. Certamente não podemos afirmar que o fato se deu, porque não temos disso prova material; mas, consideramo-lo possível, atendendo a que conhecemos milhares de outros análogos, recentemente ocorridos. Damos-lhes crédito não só porque lhes verificamos a realidade, como, sobretudo, porque sabemos perfeitamente de que maneira se produzem. Quem se reportar à teoria, que adiante expomos, das aparições, reconhecerá que este fenômeno se mostra tão simples e plausível, como um sem-número de fenômenos físicos, que só parecem prodigiosos por falta de uma chave que permita explicá-los.

Quanto à personagem que se apresentou na Salette, é outra questão. Sua identidade não nos foi absolutamente demonstrada. Apenas reconhecemos que pode ter havido uma aparição; quanto ao mais, escapa à nossa competência. A esse respeito, cada um está no direito de manter suas convicções, nada tendo o Espiritismo que ver com isso. Dizemos tão-somente que os fatos que o Espiritismo produz nos revelam leis novas e nos dão a explicação de um mundo de coisas que pareciam sobrenaturais. Desde que alguns dos que passavam por miraculosos encontram, assim, explicação lógica, motivo é este bastante para que ninguém se apresse a negar o que não compreende.

Algumas pessoas contestam os fenômenos espíritas precisamente porque tais fenômenos lhes parecem estar fora da lei comum e porque não logram achar-lhes qualquer explicação. Dai-lhes uma base racional e a dúvida desaparecerá. A explicação, neste século em que ninguém se contenta com palavras, constitui, pois, poderoso motivo de convicção. Daí o vermos, todos os dias, pessoas, que nenhum fato testemunharam, que não observaram uma mesa agitar-se, ou um médium escrever, se tornarem tão convencidas quanto nós, unicamente porque leram e compreenderam. Se houvéssemos de somente acreditar no que vemos com os nossos olhos, a bem pouco se reduziriam as nossas convicções.

Livro dos Médiuns - CAPÍTULO III Do Método

CAPÍTULO III
Do Método

Maneira de proceder com os materialistas - Classes de materialistas - Tipos de incredulos - Três classes de espíritas - Ordem nos estudos espíritas

18. Muito natural e louvável é, em todos os adeptos, o desejo, que nunca será demais animar, de fazer prosélitos. Visando facilitar-lhes essa tarefa, aqui nos propomos examinar o caminho que nos parece mais seguro para se atingir esse objetivo, a fim de lhes pouparmos inúteis esforços.

Dissemos que o Espiritismo é toda uma ciência, toda uma filosofia. Quem, pois, seriamente queira conhecê-lo deve, como primeira condição, dispor-se a um estudo sério e persuadir-se de que ele não pode, como nenhuma outra ciência, ser aprendido a brincar. O Espiritismo, também já o dissemos, entende com todas as questões que interessam a Humanidade; tem imenso campo, e o que principalmente convém é encará-lo pelas suas conseqüências.

Formar-lhe sem dúvida a base a crença nos Espíritos, mas essa crença não basta para fazer de alguém um espírita esclarecido, como a crença em Deus não é suficiente para fazer de quem quer que seja um teólogo. Vejamos, então, de que maneira será melhor se ministre o ensino da Doutrina Espírita, para levar com mais segurança à convicção.

Não se espantem os adeptos com esta palavra - ensino. Não constitui ensino unicamente o que é dado do púlpito ou da tribuna. Há também o da simples conversação. Ensina todo aquele que procura persuadir a outro, seja pelo processo das explicações, seja pelo das experiências. O que desejamos é que seu esforço produza frutos e é por isto que julgamos de nosso dever dar alguns conselhos, de que poderão igualmente aproveitar os que queiram instruir-se por si mesmos. Uns e outros, seguindo-os, acharão meio de chegar com mais segurança e presteza ao fim visado.
Maneira de proceder com os materialistas

19. É crença geral que, para convencer, basta apresentar os fatos. Esse, com efeito, parece o caminho mais lógico. Entretanto, mostra a experiência que nem sempre é o melhor, pois que a cada passo se encontram pessoas que os mais patentes fatos absolutamente não convenceram. A que se deve atribuir isso? É o que vamos tentar demonstrar.

No Espiritismo, a questão dos Espíritos é secundária e consecutiva; não constitui o ponto de partida. Este precisamente o erro em que caem muitos adeptos e que, amiúde, os leva a insucesso com certas pessoas. Não sendo os Espíritos senão as almas dos homens, o verdadeiro ponto de partida é a existência da alma. Ora, como pode o materialista admitir que, fora do mundo material, vivam seres, estando crente de que, em si próprio, tudo é matéria? Como pode crer que, exteriormente à sua pessoa, há Espíritos, quando não acredita ter um dentro de si? Será inútil acumular-lhe diante dos olhos as provas mais palpáveis. Contestá-las-á todas, porque não admite o princípio.

Todo ensino metódico tem que partir do conhecido para o desconhecido. Ora, para o materialista, o conhecido é a matéria: parti, pois, da matéria e tratai, antes de tudo, fazendo que ele a observe, de convencê-lo de que há nele alguma coisa que escapa às leis da matéria. Numa palavra, primeiro que o torneis ESPÍRITA, cuidado de torná-lo ESPIRITUALISTA. Mas, para tal, muito outra é a ordem de fatos a que se há de recorrer, muito especial o ensino cabível e que, por isso mesmo, precisa ser dado por outros processos. Falar-lhe dos Espíritos, antes que esteja convencido de ter uma alma, é começar por onde se deve acabar, porquanto não lhe será possível aceitar a conclusão, sem que admita as premissas. Antes, pois, de tentarmos convencer um incrédulo, mesmo por meio dos fatos, cumpre nos certifiquemos de sua opinião relativamente à alma, isto é, cumpre verifiquemos se ele crê na existência da alma, na sua sobrevivência ao corpo, na sua individualidade após a morte. Se a resposta for negativa, falar-lhe dos Espíritos seria perder tempo. Eis aí a regra. Não dizemos que não comporte exceções. Neste caso, porém, haverá provavelmente outra causa que o toma menos refratário.
Classes de materialistas

20. Entre os materialistas, importa distinguir duas classes: colocamos na primeira os que o são por sistema. Nesses, não há a dúvida, há a negação absoluta, raciocinada a seu modo. O homem, para eles, é simples máquina, que funciona enquanto está montada, que se desarranja e de que, após a morte, só resta a carcassa.

Felizmente, são em número restrito e não formam escola abertamente confessada. Não precisamos insistir nos deploráveis efeitos que para a ordem social resultariam da vulgarização de semelhante doutrina. Já nos estendemos bastante sobre esse assunto em O Livro dos Espíritos (n. 147 e § III da Conclusão).

Quando dissemos que a dúvida cessa nos incrédulos diante de uma explicação racional, excetuamos os materialistas extremados, os que negam a existência de qualquer força e de qualquer princípio inteligente fora da matéria. A maioria deles se obstina por orgulho na opinião que professa, entendendo que o amor-próprio lhes impõe persistir nela. E persistem, não obstante todas as provas em contrario, porque não querem ficar de baixo. Com tal gente, nada há que fazer; ninguém mesmo se deve deixar iludir pelo falso tom de sinceridade dos que dizem: fazei que eu veja, e acreditarei. Outros são mais francos e dizem sem rebuço: ainda que eu visse, não acreditaria.

21. A segunda classe de materialistas, muito mais numerosa do que a primeira, porque o verdadeiro materialismo é um sentimento antinatural, compreende os que o são por indiferença, por falta de coisa melhor, pode-se dizer. Não o são deliberadamente e o que mais desejam é crer, porquanto a incerteza lhes é um tormento. Há neles uma vaga aspiração pelo futuro; mas esse futuro lhes foi apresentado com cores tais, que a razão deles se recusa a aceitá-lo. Daí a dúvida e, como conseqüência da dúvida, a incredulidade. Esta, portanto, não constitui neles um sistema.

Assim sendo, se lhes apresentardes alguma coisa racional, aceitam-na pressurosos. Esses, pois, nos podem compreender, visto estarem mais perto de nós do que, por certo, eles próprios o julgam.

Aos primeiros não faleis de revelação, nem de anjos, nem do paraíso: não vos compreenderiam. Colocai-vos, porém, no terreno em que eles se encontram e provai-lhes primeiramente que as leis da Fisiologia são impotentes para tudo explicar; o resto virá depois.

De outra maneira se passam as coisas, quando a incredulidade não é preconcebida, porque então a crença não é de todo nula; há um gérmen latente, abafado pelas ervas más, e que uma centelha pode reavivar. E o cego a quem se restitui a vista e que se alegra por tornar a ver a luz; é o náufrago a quem se lança uma tábua de salvação.
Tipos de incrédulos

22. Ao lado da dos materialistas propriamente ditos, há uma terceira classe de incrédulos que, embora espiritualistas, pelo menos de nome, são tão refratários quanto aqueles. Referimo-nos aos incrédulos de má-vontade. A esses muito aborreceria o terem que crer, porque isso lhes perturbaria a quietude nos gozos materiais. Temem deparar com a condenação de suas ambições, de seu egoísmo e das vaidades humanas com que se deliciam. Fecham os olhos para não ver e tapam os ouvidos para não ouvir. Lamentá-los é tudo o que se pode fazer.

23. Apenas por não deixar de mencioná-la, falaremos de uma quanta categoria, a que chamaremos incrédulos por interesse ou de má-fé. Os que a compõem sabem muito bem o que devem pensar do Espiritismo, mas ostensivamente o condenam por motivos de interesse pessoal. Não há o que dizer deles, como não há com eles o que fazer.

O puro materialista tem para o seu engano a escusa da boa-fé; possível será desenganá-lo, provando-se-lhe o erro em que labora. No outro, há uma determinação assentada, contra a qual todos os argumentos irão chocar-se em vão. O tempo se encarregará de lhe abrir os olhos e de lhe mostrar, quiçá à custa própria, onde estavam seus verdadeiros interesses, porquanto, não podendo impedir que a verdade se expanda, ele será arrastado pela torrente, bem como os interesses que julgava salvaguardar.

24. Além dessas diversas categorias de opositores, muitos há de uma infinidade de matizes, entre os quais se podem incluir: os incrédulos por pusilanimidade, que terão coragem, quando virem que os outros não se queimam; os incrédulos por escrúpulos religiosos, aos quais um estudo esclarecido ensinará que o Espiritismo repousa sobre as bases fundamentais da religião e respeita todas as crenças; que um de seus efeitos é incutir sentimentos religiosos nos que os não possuem, fortalecê-los nos que os tenham vacilantes. Depois, vêm os incrédulos por orgulho, por espírito de contradição, por negligência, por leviandade, etc., etc.

25. Não podemos omitir uma categoria a que chamaremos incrédulos por decepções. Abrange os que passaram de uma confiança exagerada à incredulidade, porque sofreram desenganos. Então, desanimados, tudo abandonaram, tudo rejeitaram. Estão no caso de um que negasse a boa-fé, por haver sido ludibriado.

Ainda aí o que há é o resultado de incompleto estudo do Espiritismo e de falta de experiência. Aquele a quem os Espíritos mistificam, geralmente é mistificado por lhes perguntar o que eles não devem ou não podem dizer, ou porque não se acha bastante instruído sobre o assunto, para distinguir da impostura a verdade.

Muitos, aos demais, só vêem no Espiritismo um novo meio de adivinhação e imaginam que os Espíritos existem para predizer a sorte de cada um. Ora, os Espíritos levianos e zombeteiros não perdem ocasião de se divertirem à custa dos que pensam desse modo. E assim que anunciarão maridos às moças; ao ambicioso, honras, heranças, tesouros ocultos, etc. Daí, muitas vezes, desagradáveis decepções, das quais, entretanto, o homem sério e prudente sempre sabe preservar-se.

26. Uma classe muito numerosa, a mais numerosa mesmo de todas, mas que não poderia ser incluída entre as dos opositores, é a dos incertos. São, em geral, espiritualistas por princípio. Na maioria deles, há uma vaga intuição das idéias espíritas, uma aspiração de qualquer coisa que não podem definir. Não lhes falta aos pensamentos senão serem coordenados e formulados. O Espiritismo lhes é como que um traço de luz: a claridade que dissipa o nevoeiro. Por isso mesmo o acolhem pressurosos, porque ele os livra das angústias da incerteza.
Três classes de espíritas

27. Se, daí, projetarmos o olhar sobre as diversas categorias de crentes, depararemos primeiro com os que são espíritas sem o saberem. Propriamente falando, estes constituem uma variedade, ou um matiz da classe precedente. Sem jamais terem ouvido tratar da Doutrina Espírita, possuem o sentimento inato dos grandes princípios que dela decorrem e esse sentimento se reflete em algumas passagens de seus escritos e de seus discursos, a ponto de suporem, os que os ouvem, que eles são completamente iniciados. Numerosos exemplos de tal fato se encontram nos escritores profanos e sagrados, nos poetas, oradores, moralistas e filósofos, antigos e modernos.

28. Entre os que se convenceram por um estudo direto, podem destacar-se:

1. Os que crêem pura e simplesmente nas manifestações. Para eles, o Espiritismo é apenas uma ciência de observação, uma série de fatos mais ou menos curiosos. Chamar-lhes-emos espíritas experimentadores.
2. Os que no Espiritismo vêem mais do que fatos; compreendem-lhe a parte filosófica; admiram a moral daí decorrente, mas não a praticam. Insignificante ou nula é a influência que lhes exerce nos caracteres. Em nada alteram seus hábitos e não se privariam de um só gozo que fosse. O avarento continua a sê-lo, o orgulhoso se conserva cheio de si, o invejoso e o cioso sempre hostis. Consideram a caridade cristã apenas uma bela máxima. São os espíritas imperfeitos.
3. Os que não se contentam com admirar a moral espírita, que a praticam e lhe aceitam todas as conseqüências. Convencidos de que a existência terrena é uma prova passageira, tratam de aproveitar os seus breves instantes para avançar pela senda do progresso, única que os pode elevar na hierarquia do mundo dos Espíritos, esforçando-se por fazer o bem e coibir seus maus pendores. As relações com eles sempre oferecem segurança, porque a convicção que nutrem os preserva de pensarem em praticar o mal. A caridade é, em tudo, a regra de proceder a que obedecem. São os verdadeiros espíritas, ou melhor, os espíritas cristãos.
4. Há, finalmente, os espíritas exaltados. A espécie humana seria perfeita, se sempre tomasse o lado bom das coisas. Em tudo, o exagero é prejudicial. Em Espiritismo, infunde confiança demasiado cega e freqüentemente pueril, no tocante ao mundo invisível, e leva a aceitar-se, com extrema facilidade e sem verificação, aquilo cujo absurdo, ou impossibilidade a reflexão e o exame demonstrariam. O entusiasmo, porém, não reflete, deslumbra. Esta espécie de adeptos é mais nociva do que útil à causa do Espiritismo. São os menos aptos para convencer a quem quer que seja, porque todos, com razão, desconfiam dos julgamentos deles. Graças à sua boa-fé, são iludidos, assim, por Espíritos mistificadores, como por homens que procuram explorar-lhes a credulidade. Meio-mal apenas haveria, se só eles tivessem que sofrer as conseqüências. O pior é que, sem o quererem, dão armas aos incrédulos, que antes buscam ocasião de zombar, do que se convencerem e que não deixam de imputar a todos o ridículo de alguns. Sem dúvida que isto não é justo, nem racional; mas, como se sabe, os adversários do Espiritismo só consideram de bom quilate a razão de que desfrutam, e conhecer a fundo aquilo sobre que discorrem é o que menos cuidado lhes dá.

29. Os meios de convencer variam extremamente, conforme os indivíduos. O que persuade a uns nada produz em outros; este se convenceu observando algumas manifestações materiais, aquele por efeito de comunicações inteligentes, o maior número pelo raciocínio. Podemos até dizer que, para a maioria dos que se não preparam pelo raciocínio, os fenômenos materiais quase nenhum peso têm. Quanto mais extraordinários são esses fenômenos, quanto mais se afastam das leis conhecidas, maior oposição encontram e isto por uma razão muito simples: é que todos somos levados naturalmente a duvidar de uma coisa que não tem sanção racional. Cada um a considera do seu ponto de vista e a explica a seu modo: o materialista a atribui a uma causa puramente física ou a embuste; o ignorante e o supersticioso a uma causa diabólica ou sobrenatural, ao passo que uma explicação prévia produz o efeito de destruir as idéias preconcebidas e de mostrar, senão a realidade, pelo menos a possibilidade da coisa, que, assim, é compreendida antes de ser vista. Ora, desde que se reconhece a possibilidade de um fato, três quartos da convicção estão conseguidos.

30. Convirá se procure convencer a um incrédulo obstinado? Já dissemos que isso depende das causas e da natureza da sua incredulidade. Muitas vezes, a insistência em querer persuadi-lo o leva a crer em sua importância pessoal, o que, a seu ver, constitui razão para ainda mais se obstinar. Com relação ao que se não convenceu pelo raciocínio, nem pelos fatos, a conclusão a tirar-se é que ainda lhe cumpre sofrer a prova da incredulidade. Deve-se deixar à Providência o encargo de lhe preparar circunstâncias mais favoráveis. Não faltam os que anseiam pelo recebimento da luz, para que se esteja a perder tempo com os que a repelem.

Dirigi-vos, portanto, aos de boa-vontade, cujo número é maior do que se pensa, e o exemplo de suas conversões, multiplicando-se, mais do que simples palavras, vencerá as resistências. O verdadeiro espírita jamais deixará de fazer o bem. Lenir corações aflitos; consolar, acalmar desesperos, operar reformas morais, essa a sua missão. E nisso também que encontrará satisfação real. O Espiritismo anda no ar; difunde-se pela força mesma das coisas, porque toma felizes os que o professam. Quando o ouvirem repercutir em tomo de si mesmos, entre seus próprios amigos, os que o combatem por sistema compreenderão o insulamento em que se acham e serão forçados a calar-se, ou a render-se.

31. Para, no ensino do Espiritismo, proceder-se como se procederia com relação ao das ciências ordinárias, preciso fora passar revista a toda a série dos fenômenos que possam produzir-se, começando pelos mais simples, para chegar sucessivamente aos mais complexos. Ora, isso não é possível, porque possível não é fazer-se um curso de Espiritismo experimental, como se faz um curso de Física ou de Química. Nas ciências naturais, opera-se sobre a matéria bruta, que se manipula à vontade, tendo-se quase sempre a certeza de poderem regular-se os efeitos. No Espiritismo, temos que lidar com inteligências que gozam de liberdade e que a cada instante nos provam não estar submetidas aos nossos caprichos. Cumpre, pois, observar, aguardar os resultados e colhê-los à passagem. Daí o declararmos abertamente que quem quer que blasone de os obter à vontade não pode deixar de ser ignorante ou impostor. Daí vem que o verdadeiro Espiritismo jamais se dará em espetáculo, nem subirá ao tablado das feiras.

Há mesmo qualquer coisa de ilógico em supor-se que Espíritos venham exibir-se e submeter-se a investigações, como objetos de curiosidade. Portanto, pode suceder que os fenômenos não se dêem quando mais desejados sejam, ou que se apresentem numa ordem muito diversa da que se quereria. Acrescentemos mais que, para serem obtidos, precisa se faz a intervenção de pessoas dotadas de faculdades especiais e que estas faculdades variam ao infinito, de acordo com as aptidões dos indivíduos. Ora, sendo extremamente raro que a mesma pessoa tenha todas as aptidões, isso constitui uma nova dificuldade, porquanto mister seria ter-se sempre à mão uma coleção completa de médiuns, o que absolutamente não é possível.

O meio, aliás, muito simples, de se obviar a este inconveniente, consiste em se começar pela teoria. Aí todos os fenômenos são apreciados, explicados, de modo que o estudante vem a conhecê-los, a lhes compreender a possibilidade, a saber em que condições podem produzir-se e quais os obstáculos que podem encontrar. Então, qualquer que seja a ordem em que se apresentem, nada terão que surpreenda. Este caminho ainda oferece outra vantagem: a de poupar uma imensidade de decepções àquele que queira operar por si mesmo. Precavido contra as dificuldades, ele saberá manter-se em guarda e evitar a conjuntura de adquirir a experiência à sua própria custa.

Ser-nos-ia difícil dizer quantas as pessoas que, desde quando começamos a ocupar-nos com o Espiritismo, hão vindo ter conosco e quantas delas vimos que se conservaram indiferentes ou incrédulas diante dos fatos mais positivos e só posteriormente se convenceram, mediante uma explicação racional; quantas outras que se predispuseram à convicção, pelo raciocínio; quantas, enfim, que se persuadiram, sem nada nunca terem visto, unicamente porque haviam compreendido. Falamos, pois, por experiência e, assim, também, é por experiência que dizemos consistir o melhor método de ensino espírita em se dirigir, aquele que ensina, antes à razão do que aos olhos. Esse o método que seguimos em as nossas lições e pelo qual somente temos que nos felicitar (1).

32. Ainda outra vantagem apresenta o estudo prévio da teoria - a de mostrar imediatamente a grandeza do objetivo e o alcance desta ciência. Aquele que começa por ver uma mesa a girar, ou a bater, se sente mais inclinado ao gracejo, porque dificilmente imaginará que de uma mesa possa sair uma doutrina regeneradora da humanidade. Temos notado sempre que os que crêem, antes de haver visto, apenas porque leram e compreenderam, longe de se conservarem superficiais, são, ao contrário, os que mais refletem. Dando maior atenção ao fundo do que à forma, vêem na parte filosófica o principal, considerando como acessório os fenômenos propriamente ditos. Declaram então que, mesmo quando estes fenômenos não existissem, ainda ficava uma filosofia que só ela resolve problemas até hoje insolúveis; que só ela apresenta a teoria mais racional do passado do homem e do seu futuro. Ora, como é natural, preferem eles uma doutrina que explica, às que não explicam, ou explicam mal.

Quem quer que reflita compreende perfeitamente bem que se poderia abstrair das manifestações, sem que a Doutrina deixasse de subsistir. As manifestações a corroboram, confirmam, porém, não lhe constituem a base essencial. O observador criterioso não as repele; ao contrário, aguarda circunstâncias favoráveis, que lhe permitam testemunhá-las. A prova do que avançamos é que grande número de pessoas, antes de ouvirem falar das manifestações, tinham a intuição desta Doutrina, que não fez mais do que lhes dar corpo, conexão às idéias.

(1) O nosso ensino teórico e prático é sempre gratuito.

33. Demais, fora inexato dizer-se que os que começam pela teoria se privam do objeto das observações práticas. Pelo contrário, não só lhes não faltam os fenômenos, como ainda os de que eles dispõem maior peso mesmo têm aos seus olhos, do que os que pudessem vir a operar-se em sua presença. Referimo-nos aos copiosos fatos de manifestações espontâneas, de que falaremos nos capítulos seguintes. Raros serão os que delas não tenham conhecimento, quando nada, por ouvir dizer. Outros conhecem algumas, consigo mesmo ocorridas, mas a que não prestaram quase nenhuma atenção. A teoria lhes vem dar a explicação. E afirmamos que esses fatos têm grande peso, quando se apóiam em testemunhos irrecusáveis, porque não se pode supô-los devidos a arranjos, nem a conivências. Mesmo que não houvesse os fenômenos provocados, nem por isso deixaria de haver os espontâneos e já seria muito que ao Espiritismo coubesse apenas lhes oferecer uma solução racional. Assim, os que lêem previamente reportam suas recordações a esses fatos, que se lhes apresentam como uma confirmação da teoria.

34. Singularmente se equivocaria, quanto à nossa maneira de ver, quem supusesse que aconselhamos se desprezem os fatos. Pelos fatos foi que chegamos à teoria. E certo que para isso tivemos de nos consagrar a assíduo trabalho durante muitos anos e de fazer milhares de observações. Mas, pois que os fatos nos serviram e servem todos os dias, seríamos inconseqüentes conosco mesmo se lhes contestássemos a importância, sobretudo quando compomos um livro para torná-los conhecidos de todos. Dizemos apenas que, sem o raciocínio, eles não bastam para determinar a convicção; que uma explicação prévia, pondo termo às prevenções e mostrando que os fatos em nada são contrários à razão, dispõe o indivíduo a aceitá-los.

Tão verdade é isto que, em dez pessoas completamente novatas no assunto, que assistam a uma sessão de experimentação, ainda que das mais satisfatórias na opinião dos adeptos, nove sairão sem estar convencidas e algumas mais incrédulas do que antes, por não terem as experiências correspondido ao que esperavam. O inverso se dará com as que puderem compreender os fatos, mediante antecipado conhecimento teórico. Para estas pessoas, a teoria constitui um meio de verificação, sem que coisa alguma as surpreenda, nem mesmo o insucesso, porque sabem em que condições os fenômenos se produzem e que não se lhes deve pedir o que não podem dar. Assim, pois, a inteligência prévia dos fatos não só as coloca em condições de se aperceberem de todas as anomalias, mas também de apreenderem um sem-número de particularidades, de matizes, às vezes muito delicados, que escapam ao observador ignorante. Tais os motivos que nos forçam a não admitir, em nossas sessões experimentais, senão quem possua suficientes noções preparatórias, para compreender o que ali se faz, persuadido de que os que lá fossem, carentes dessas noções, perderiam o seu tempo, ou nos fariam perder o nosso.
Ordem nos estudos espíritas

35. Aos que quiserem adquirir essas noções preliminares, pela leitura das nossas obras, aconselhamos que as leiam nesta ordem:

1º - O que é o Espiritismo? Esta brochura, de uma centena de páginas somente, contém sumária exposição dos princípios da Doutrina Espírita, um apanhado geral desta, permitindo ao leitor apreender-lhe o conjunto dentro de um quadro restrito. Em poucas palavras ele lhe percebe o objetivo e pode julgar do seu alcance. Aí se encontram, além disso, respostas às principais questões ou objeções que os novatos se sentem naturalmente propensos a fazer. Esta primeira leitura, que muito pouco tempo consome, é uma introdução que facilita um estudo mais aprofundado.

2º - O Livro dos Espíritos. Contém a doutrina completa, como a ditaram os próprios Espíritos, com toda a sua filosofia e todas as suas conseqüências morais. E a revelação do destino do homem, a iniciação no conhecimento da natureza dos Espíritos e nos mistérios da vida de além-túmulo. Quem o lê compreende que o Espiritismo objetiva um fim sério, que não constitui frívolo passatempo.

3º - O Livro dos Médiuns. Destina-se a guiar os que queiram entregar-se à prática das manifestações, dando-lhes conhecimento dos meios próprios para se comunicarem com os Espíritos. E um guia, tanto para os médiuns, como para os evocadores, e o complemento de O Livro dos Espíritos.

4º - A Revue Spirite. Variada coletânea de fatos, de explicações teóricas e de trechos isolados, que completam o que se encontra nas duas obras precedentes, formando-lhes, de certo modo, a aplicação. Sua leitura pode fazer-se simultaneamente com a daquelas obras, porém, mais proveitosa será, e, sobretudo, mais inteligível, se for feita depois de O Livro dos Espíritos.

Isto pelo que nos diz respeito. Os que desejem tudo conhecer de uma ciência devem necessariamente ler tudo o que se ache escrito sobre a matéria, ou, pelo menos, o que haja de principal, não se limitando a um único autor. Devem mesmo ler o pró e o contra, as críticas como as apologias, inteirar-se dos diferentes sistemas, a fim de poderem julgar por comparação.

Por esse lado, não preconizamos, nem criticamos obra alguma, visto não querermos, de nenhum modo, influenciar a opinião que dela se possa formar. Trazendo nossa pedra ao edifício, colocamo-nos nas fileiras. Não nos cabe ser juiz e parte e não alimentamos a ridícula pretensão de ser o único distribuidor da luz. Toca ao leitor separar o bom do mau, o verdadeiro do falso.

Livro dos Médiuns - CAPÍTULO IV Dos Sistemas

CAPÍTULO IV
Dos Sistemas

Exame das diferentes maneiras de se encarar o Espiritismo - Sistemas negativos - Sistemas afirmativos
Exame das diferentes maneiras de se encarar o Espiritismo

36. Quando começaram a produzir-se os estranhos fenômenos do Espiritismo, ou, dizendo melhor, quando esses fenômenos se renovaram nestes últimos tempos, o primeiro sentimento que despertaram foi o da dúvida, quanto à realidade deles e, mais ainda, quanto à causa que lhes dava origem. Uma vez certificados, por testemunhos irrecusáveis e pelas experiências que todos hão podido fazer, sucedeu que cada um os interpretou a seu modo, de acordo com suas idéias pessoais, suas crenças, ou suas prevenções. Daí, muitos sistemas, a que uma observação mais atenta viria dar o justo valor.

Julgaram os adversários do Espiritismo encontrar um argumento nessa divergência de opiniões, dizendo que os próprios espíritas não se entendiam entre si A pobreza de semelhante razão prontamente se patenteia, desde que se reflita que os passos de qualquer ciência nascente são necessariamente incertos, até que o tempo haja permitido se colecionem e coordenem os fatos sobre que possa firmar-se a opinião.

À medida que os fatos se completam e vão sendo mais bem observados, as idéias prematuras se apagam e a unidade se estabelece, pelo menos com relação aos pontos fundamentais, senão a todos os pormenores. Foi o que se deu com o Espiritismo, que não podia fugir à lei comum e tinha mesmo, por sua natureza, que se prestar, mais do que qualquer outro assunto, à diversidade das interpretações. Pode-se, aliás, dizer que, a este respeito, ele andou mais depressa do que outras ciências mais antigas, do que a medicina, por exemplo, que ainda traz divididos os maiores sábios.
Sistemas negativos

37. Seguindo metódica ordem, para acompanhar a marcha progressiva das idéias, convém sejam colocados na primeira linha dos sistemas os que se podem classificar como sistemas de negação, isto é, os dos adversários do Espiritismo. Já lhes refutamos as objeções, na introdução e na conclusão de O Livro dos Espíritos, assim como no volumezinho que intitulamos: O que é o Espiritismo. Fora supérfluo insistir nisso aqui. Limitar-nos-emos a lembrar, em duas palavras, os motivos em que eles se fundam.

De duas espécies são os fenômenos espíritas: efeitos físicos e efeitos inteligentes. Não admitindo a existência dos Espíritos, por não admitirem coisa alguma fora da matéria, concebe-se que neguem os efeitos inteligentes. Quanto aos efeitos físicos, eles os comentam do ponto de vista em que se colocam e seus argumentos se podem resumir nos quatro sistemas seguintes:

38. Sistema do charlatanismo. - Entre os antagonistas do Espiritismo, muitos atribuem aqueles efeitos ao embuste, pela razão de que alguns puderam ser imitados. Segundo tal suposição, todos os espíritas seriam indivíduos embaídos e todos os médiuns seriam embaidores, de nada valendo a posição, o caráter, o saber e a honradez das pessoas. Se isto merecesse resposta, diríamos que alguns fenômenos da Física também são imitados pelos prestidigitadores, o que nada prova contra a verdadeira ciência. Demais, pessoas há, cujo caráter afasta toda suspeita de fraude e preciso é não saber absolutamente viver e carecer de toda urbanidade, para que alguém ouse vir dizer-lhe na face que são cúmplices de charlatanismo.

Num salão muito respeitável, um senhor, que se dizia bem educado, tendo-se permitido fazer uma reflexão dessa natureza, ouviu da dona da casa o seguinte: "Senhor, pois que não estais satisfeito, à porta vos será restituído o que pagastes." E, com um gesto, lhe indicou o que de melhor tinha a fazer. Dever-se-á por isso afirmar que nunca houve abuso? Para crê-lo, fora mister admitir-se que os homens são perfeitos. De tudo se abusa, até das coisas mais santas. Por que não abusariam do Espiritismo? Porém, o mau uso que de uma coisa se faça não autoriza que ela seja prejulgada desfavoravelmente. Para chegar-se à verificação, que se pode obter, da boa-fé com que obram as pessoas, deve-se atender aos motivos que lhes determinam o procedimento. O charlatanismo não tem cabimento onde não há especulação.

39. Sistema da loucura. - Alguns, por condescendência, concordam em pôr de lado a suspeita de embuste. Pretendem então que os que não iludem são iludidos, o que eqüivale a qualificá-los de imbecis. Quando os incrédulos se abstêm de usar de circunlóquios, declaram, pura e simplesmente, que os que crêem são loucos, atribuindo-se a si mesmos, desse modo e sem cerimônias, o privilégio do bom-senso. Esse o argumento formidável dos que nenhuma razão plausível encontram para apresentar.

Afinal, semelhante maneira de atacar se tomou ridícula, tal a sua banalidade, e não merece que se perca tempo em refutá-la. Acresce que os espíritas não se alteram com isso; tomam corajosamente o seu partido e se consolam, lembrando-se de que têm por companheiros de infortúnio muitas pessoas de mérito incontestável.

Efetivamente, forçoso será convir em que essa loucura, se loucura existe, apresenta uma característica muito singular: a de atingir de preferência a classe instruída, em cujo seio conta o Espiritismo, até ao presente, a imensa maioria de seus adeptos. Se entre estes algumas excentricidades se manifestam, elas nada provam contra a Doutrina, do mesmo modo que os loucos religiosos nada provam contra a religião, nem os loucos melamos contra a música, ou os loucos matemáticos contra a matemática, Todas as idéias sempre tiveram fanáticos exagerados e é preciso se seja dotado de muito obtuso juízo, para confundir a exageração de uma coisa com a coisa mesma.

Para mais amplas explicações a este respeito, recomendamos ao leitor a nossa brochura: O que é o Espiritismo e O Livro dos Espíritos (Introdução, § 15).

40. Sistema da alucinação. Outra opinião, menos ofensiva essa, por trazer um ligeiro colorido científico, consiste em levar os fenômenos à conta de ilusão dos sentidos. Assim, o observador estaria de muito boa-fé; apenas, julgaria ver o que não vê. Quando diz que viu uma mesa levantar-se e manter-se no ar, sem ponto de apoio, a verdade é que a mesa não se mexeu. Ele a viu no ar, por efeito de uma espécie de miragem, ou por uma refração, qual a que nos faz ver, na água, um astro, ou um objeto qualquer, fora da sua posição real. Isto, a rigor, seria possível; mas, os que já testemunharam fenômenos espíritas hão podido certificar-se do isolamento da mesa suspensa, passando por debaixo dela, o que parece difícil de se conseguir, caso o móvel não se houvesse despregado do solo. Por outro lado, muitas vezes tem sucedido quebrar-se a mesa ao cair. Dar-se-á que também aí nada mais haja do que simples efeito de ótica?

É fora de dúvida que uma causa fisiológica bem conhecida pode fazer que uma pessoa julgue ver em movimento um objeto que não se moveu, ou que suponha estar ela própria a mover-se, quando permanece imóvel. Mas, quando, rodeando uma mesa, muitas pessoas a vêem arrastada por um movimento tão rápido que difícil se lhes toma acompanhá-la, ou que mesmo deita algumas delas ao chão, poder-se-á dizer que todas se acham tomadas de vertigem, como o bêbedo, que acredita estar vendo a casa em que mora passar-lhe por diante dos olhos?

41. Sistema do músculo estalante. - Sendo assim, pelo que toca à visão, de outro modo não poderia ser, pelo que concerne à audição. Quando as pancadas são ouvidas por todas as pessoas reunidas em determinado lugar, não há como atribuí-las razoavelmente a uma ilusão. Pomos de parte, está claro, toda idéia de fraude e supomos que uma atenta observação tenha verificado não serem as pancadas atribuíveis a qualquer causa fortuita ou material.

É certo que um sábio médico deu desse fenômeno uma explicação, ao seu parecer, peremptória (1). "A causa, disse ele, reside nas contrações voluntárias, ou involuntárias, do tendão do músculo curto-perônio." A este propósito, desce às mais completas minúcias anatômicas, para demonstrar por que mecanismo pode esse tendão produzir os ruídos de que se trata, imitar os rufos do tambor e, até, executar árias ritmadas. Conclui daí que os que julgam ouvir pancadas numa mesa são vítimas de uma mistificação, ou de uma ilusão.

O fato, em si mesmo, não é novo. Infelizmente para o autor dessa pretendida descoberta, sua teoria é incapaz de explicar todos os casos. Digamos, antes de tudo, que os que gozam da estranha faculdade de fazer que o seu músculo curto-perônio, ou qualquer outro, estale à vontade, da de executar árias por esse meio, são indivíduos excepcionais, enquanto que muito comum é a de fazer-se que uma mesa dê pancadas e que nem todos, dado que algum exista, dos que gozam desta última faculdade, possuem a primeira.

Em segundo lugar, o sábio doutor esqueceu de explicar como o estalido muscular de uma pessoa imóvel e afastada da mesa pode produzir nesta vibrações sensíveis a quem a toque; como pode esse ruído repercutir, à vontade dos assistentes, nas diferentes partes da mesa, nos outros móveis, nas paredes, no forro, etc.; como, finalmente, a ação daquele músculo pode atingir uma mesa em que ninguém toca e fazê-la mover-se. Em suma, a explicação a que nos reportamos, se de fato o fosse, apenas infirmaria o fenômeno das pancadas, nada adiantando com relação a qualquer dos outros muitos modos de comunicação.

Reconheçamos, pois, que ele julgou sem ter visto, ou sem ter observado tudo e observado bem. E sempre de lamentar que homens de ciência se afoitem a dar, do que não conhecem, explicações que os fatos podem desmentir. O próprio saber que possuem devera torná-los tanto mais circunspectos em seus juízos, quanto é certo que esse saber afasta deles os limites do desconhecido.

(1) Foi o Sr. Jobert (de Lamballe). Para sermos justos, devemos dizer que a descoberta é devida ao Sr. Schiff. O Sr. Jobert lhe deduziu as conseqüências perante a Academia de Medicina, pretendendo dar assim o golpe de morte nos Espíritos batedores. Na Revue Spirite, do mês de junho de 1859, encontrar-se-ão todos os pormenores da explicação do Sr. Jobert.

Sistemas afirmativos

42. Sistema das causas físicas. - Aqui, estamos fora do sistema da negação absoluta. Averiguada a realidade dos fenômenos, a primeira idéia que naturalmente acudiu ao espírito dos que os verificaram foi a de atribuir os movimentos ao magnetismo, à eletricidade, ou à ação de um fluido qualquer; numa palavra, a uma causa inteiramente física e material. Nada apresentava de irracional esta opinião e teria prevalecido, se o fenômeno houvera ficado adstrito a efeitos puramente mecânicos. Uma circunstância parecia mesmo corroborá-la: a do aumento que, em certos casos, experimentava a força atuante, na razão direta do número das pessoas presentes. Assim, cada uma destas podia ser considerada como um dos elementos de uma pilha elétrica humana. Já dissemos que o que caracteriza uma teoria verdadeira é poder dar a razão de tudo. Se, porém, um só fato que seja a contradiz, é que ela é falsa, incompleta, ou por demais absoluta. Ora, foi o que não tardou a reconhecer-se, quanto a esta.

Os movimentos e as pancadas deram sinais inteligentes, obedecendo à vontade e respondendo ao pensamento. Haviam, pois, de originar-se de uma causa inteligente. Desde que o efeito deixava de ser puramente físico, outra, por isso mesmo, tinha que ser a causa. Tanto assim, que o sistema da ação exclusiva de um agente material foi abandonado, para só ser esposado ainda pelos que julgam a priori, sem haver visto coisa alguma. O ponto capital, portanto, está em verificar-se a ação inteligente, de cuja realidade se pode convencer quem quiser dar-se ao trabalho de observar.

43. Sistema do reflexo. - Reconhecida a ação inteligente, restava saber donde provinha essa inteligência. Julgou-se que bem podia ser a do médium, ou a dos assistentes, a se refletirem, como a luz ou os raios sonoros. Era possível: só a experiência poderia dizer a última palavra. Mas, notemos, antes de tudo, que este sistema já se afasta por completo da idéia puramente materialista. Para que a inteligência dos assistentes pudesse reproduzir-se por via indireta, preciso era se admitisse existir no homem um princípio exterior do organismo.

Se o pensamento externado fora sempre o dos assistentes, a teoria da reflexão estaria confirmada. Mas, embora reduzido a estas proporções, já não seria do mais alto interesse o fenômeno? Já não seria coisa bastante notável o pensamento a repercutir num corpo inerte e a se traduzir pelo movimento e pelo ruído? Já não haveria aí o que excitasse a curiosidade dos sábios? Por que então a desprezaram eles, que se afadigam na pesquisa de uma fibra nervosa?

Só a experiência, dizemos, podia confirmar ou condenar essa teoria, e a experiência a condenou, porquanto demonstra a todos os momentos, e com os mais positivos fatos, que o pensamento expresso, não somente pode ser estranho ao dos assistentes, mas que lhes é, muitas vezes, contrário; que contradiz todas as idéias preconcebidas e frustra todas as previsões. Com efeito, difícil me é acreditar que a resposta provenha de mim mesmo, quando, a pensar no branco, se me fala em preto.

Em apoio da teoria que apreciamos, costumam invocar certos casos em que são idênticos o pensamento manifestado e o dos assistentes. Mas, que prova isso, senão que estes podem pensar como a inteligência que se comunica? Não há por que pretender-se que as duas opiniões devam ser sempre opostas. Quando, no curso de uma conversação, o vosso interlocutor emite um pensamento análogo ao que vos está na mente, direis, por isso, que de vós mesmos vem o seu pensamento? Bastam alguns exemplos em contrário, bem comprovados, para que positivado fique não ser absoluta esta teoria.

Como explicar, pela reflexão do pensamento, as escritas feitas por pessoas que não sabem escrever; as respostas do mais alto alcance filosófico, obtidas por indivíduos iletrados; as respostas dadas a perguntas mentais, ou em língua que o médium desconhece e mil outros fatos que não permitem dúvida sobre a independência da inteligência que se manifesta? A opinião oposta não pode deixar de resultar de falta de observação.

Provada, como está, moralmente, pela natureza das respostas, a presença de uma inteligência diversa da do médium e da dos assistentes, provada também o está, materialmente, pelo fato da escrita direta, isto é, da escrita obtida espontaneamente, sem lápis, nem pena, sem contacto e mau grado a todas as precauções tomadas contra qualquer subterfúgio. O caráter inteligente do fenômeno não pode ser posto em dúvida: logo, há nele mais alguma coisa do que uma ação fluídica. Depois, a espontaneidade do pensamento expresso contra toda expectativa e sem que alguma questão tenha sido formulada, não consente se veja nele um reflexo do dos assistentes.

Em alguns casos, o sistema do reflexo é bastante descortês. Quando, numa reunião de pessoas honestas, surge inopinadamente uma dessas comunicações de revoltante grosseria, fora desatencioso, para com os assistentes, pretender-se que ela haja provindo de um deles, sendo provável que cada um se daria pressa em repudiá-la. (Vede O Livro dos Espíritos, "Introdução", § 16.)

44. Sistema da alma coletiva. - Constitui uma variante do precedente. Segundo este sistema, apenas a alma do médium se manifesta, porém, identificada com a de muitos outros vivos, presentes ou ausentes, e formando um todo coletivo, em que se acham reunidas as aptidões, a inteligência e os conhecimentos de cada um. Conquanto se intitule A Luz (1), a brochura onde esta teoria vem exposta, muito obscuro se nos afigura o seu estilo. Confessamos não ter logrado compreendê-la e dela falamos unicamente de memória. E, em suma, como tantas outras, uma opinião individual, que conta poucos prosélitos. Pelo nome de Emah Tirpsé, o autor designa o ser coletivo criado pela sua imaginação. Por epígrafe, tomou a seguinte sentença: Nada há oculto que não deva ser conhecido. Esta proposição é evidentemente falsa, porquanto uma imensidade há de coisas que o homem não pode e não tem que saber. Bem presunçoso seria aquele que pretendesse devassar todos os segredos de Deus.

(1) Comunhão. A luz do fenômeno do Espírito. Mesas falantes, sonâmbulos, médiuns, milagres. Magnetismo espiritual: poder da prática da fé. Por Emah Tirpsé, uma alma coletiva que escreve por intermédio de uma prancheta. Bruxelas, 1858, casa Dewoye.

45. Sistema sonambúlico. - Mais adeptos teve este, que ainda conta alguns. Admite, como o anterior, que todas as comunicações inteligentes provêm da alma ou Espírito do médium. Mas, para explicar o fato de o médium tratar de assuntos que estão fora do âmbito de seus conhecimentos, em vez de supor a existência, nele, de uma alma múltipla, atribui essa aptidão a uma sobreexcitação momentânea de suas faculdades mentais, a uma espécie de estado sonambúlico, ou extático, que lhe exalta e desenvolve a inteligência. Não há negar, em certos casos, a influência desta causa. Porém, a quem tenha observado como opera a maioria dos médiuns, essa observação basta para lhe tornar evidente que aquela causa não explica todos os fatos, que ela constitui exceção e não regra.

Poder-se-ia acreditar que fosse assim, se o médium tivesse sempre ar de inspirado ou de extático, aspecto que, aliás, lhe seria fácil aparentar perfeitamente, se quisesse representar uma comédia. Como, porém, se há de crer na inspiração, quando o médium escreve como uma máquina, sem ter a mínima consciência do que está obtendo, sem a menor emoção, sem se ocupar com o que faz, distraído, rindo e conversando de uma coisa e de outra? Concebe-se a sobreexcitação das idéias, mas não se compreende possa fazer que uma pessoa escreva sem saber escrever e, ainda menos, quando as comunicações são transmitidas por pancadas, ou com o auxílio de uma prancheta, de uma cesta.

No curso desta obra, teremos ocasião de mostrar a parte que se deve atribuir à influência das idéias do médium. Todavia, tão numerosos e evidentes são os fatos em que a inteligência estranha se revela por meio de sinais incontestáveis, que não pode haver dúvida a respeito. O erro da maior parte dos sistemas, que surgiram nos primeiros tempos do Espiritismo, está em haverem deduzido, de fatos insulados, conclusões gerais.

46. Sistema pessimista, diabólico ou demoníaco. - Entramos aqui numa outra ordem de idéias. Comprovada a intervenção de uma inteligência estranha, tratava-se de saber de que natureza era essa inteligência. Sem dúvida que o meio mais simples consistia em lhe perguntar isso. Algumas pessoas, contudo, entenderam que esse processo não oferecia garantias bastantes e assentaram de ver em todas as manifestações, unicamente, uma obra diabólica. Segundo essas pessoas, só o diabo, ou os demônios, podem comunicar-se. Conquanto fraco eco encontre hoje este sistema, é inegável que gozou, por algum tempo, de certo crédito, devido mesmo ao caráter dos que tentaram fazer que ele prevalecesse. Faremos, entretanto, notar que os partidários do sistema demoníaco não devem ser classificados entre os adversários do Espiritismo: ao contrario. Sejam demônios ou anjos, os seres que se comunicam são sempre seres incorpóreos. Ora, admitir a manifestação dos demônios é admitir a possibilidade da comunicação do mundo visível com o mundo invisível, ou, pelo menos, com uma parte deste último.

Compreende-se que a crença na comunicação exclusiva dos demônios, por muito irracional que seja, não houvesse parecido impossível, quando se consideravam os Espíritos como seres criados fora da humanidade. Mas, desde que se sabe que os Espíritos são simplesmente as almas dos que hão vivido, ela perdeu todo o seu prestígio e pode-se dizer que toda a verossimilhança, porquanto, admitida, o que se seguiria é que todas essas almas eram demônios, embora fossem as de um pai, de um filho, ou de um amigo e que nós mesmos, morrendo, nos tomaríamos demônios, doutrina pouco lisonjeira e nada consoladora para muita gente. Bem difícil será persuadir a uma mãe de que o filho querido, que ela perdeu e que lhe vem dar, depois da morte, provas de sua afeição e de sua identidade, é um suposto satanás. Sem dúvida, entre os Espíritos, há-os muito maus e que não valem mais do que os chamados demônios, por uma razão bem simples: a de que há homens muito maus que, pelo fato de morrerem, não se tomam bons. A questão está em saber se só eles podem comunicar-se conosco. Aos que assim pensem, dirigimos as seguintes perguntas:

1. Há ou não Espíritos bons e maus?
2. Deus é ou não mais poderoso do que os maus Espíritos, ou do que os demônios, se assim lhes quiserdes chamar?
3. Afirmar que só os maus se comunicam é dizer que os bons não o podem fazer. Sendo assim, uma de duas: ou isto se dá pela vontade, ou contra a vontade de Deus. Se contra a Sua vontade, é que os maus Espíritos podem mais do que Ele; se, por vontade Sua, por que, em Sua bondade, não permitiria Ele que os bons fizessem o mesmo, para contrabalançar a influência dos outros?
4. Que provas podeis apresentar da impossibilidade em que estão os bons Espíritos de se comunicarem?
5. Quando se vos opõe a sabedoria de certas comunicações, respondeis que o demônio usa de todas as máscaras para melhor seduzir. Sabemos, com efeito, haver Espíritos hipócritas, que dão à sua linguagem um verniz de sabedoria; mas, admitis que a ignorância pode falsificar o verdadeiro saber e uma natureza má imitar a verdadeira virtude, sem deixar vestígio que denuncie a fraude?
6. Se só o demônio se comunica, sendo ele o inimigo de Deus e dos homens, por que recomenda que se ore a Deus, que nos submetamos à vontade de Deus, que suportemos sem queixas as tribulações da vida, que não ambicionemos as honras, nem as riquezas, que pratiquemos a caridade e todas as máximas do Cristo, numa palavra: que façamos tudo o que é preciso para lhe destruir o império, dele, demônio? Se tais conselhos o demônio é quem os dá, forçoso será convir em que, por muito manhoso que seja, bastante inábil é ele, fornecendo armas contra si mesmo (1).
7. Pois que os Espíritos se comunicam, é que Deus o permite. Em presença das boas e das más comunicações, não será mais lógico admitir-se que umas Deus as permite para nos experimentar e as outras para nos aconselhar ao bem?
8. Que direis de um pai que deixasse o filho à mercê dos exemplos e dos conselhos perniciosos, e que o afastasse de si; que o privasse do contacto com as pessoas que o pudessem desviar do mal? Ser-nos-á lícito supor que Deus procede como um bom pai não procederia, e que, sendo ele a bondade por excelência, faça menos do que faria um homem?
9. A Igreja reconhece como autênticas certas manifestações da Virgem e de outros santos, em aparições, visões, comunicações orais, etc. Essa crença não está em contradição com a doutrina da comunicação exclusiva dos demônios?

(1) Esta questão foi tratada em O Livro dos Espíritos (números 128 e seguintes); mas, com relação a este assunto, como acerca de tudo o que respeita à parte religiosa, recomendamos a brochura intitulada: Carta de um católico sobre o Espiritismo , do Dr. Grand, ex-cônsul da França (à venda na Livraria Ledoyen, in-18; preço 1 franco), bem como a que vamos publicar sob o título: Os contraditores do Espiritismo, do ponto de vista da religião, da ciência e do materialismo.

Acreditamos que algumas pessoas hajam professado de boa-fé essa teoria; mas, também cremos que muitas a adotaram unicamente com o fito de fazer que outras fugissem de ocupar-se com tais coisas, pelo temor das comunicações más, a cujo recebimento todos estão sujeitos. Dizendo que só o diabo se manifesta, quiseram aterrorizar, quase como se faz com uma criança a quem se diz: não toques nisto, porque queima. A intenção pode ter sido louvável; porém, o objetivo falhou, porquanto a só proibição basta para excitar a curiosidade e bem poucos são aqueles a quem o medo do diabo tolhe a iniciativa. Todos querem vê-lo, quando mais não seja para saber como é feito e muito espantados ficam por não o acharem tão feio como o imaginavam.

E não se poderia achar também outro motivo para essa teoria exclusiva do diabo? Gente há, para quem todos os que não lhe são do mesmo parecer estão em erro. Ora, os que pretendem que todas as comunicações provêm do demônio não serão a isso induzidos pelo receio de que os Espíritos não estejam de acordo com eles sobre todos os pontos, mais ainda sobre os que se referem aos interesses deste mundo, do que sobre os que concernem aos do outro? Não podendo negar os fatos, entenderam de apresentá-los sob forma apavorante. Esse meio, entretanto, não produziu melhor resultado do que os outros. Onde o temor do ridículo se mostre impotente, forçoso é se deixem passar as coisas.

O muçulmano, que ouvisse um Espírito falar contra certas leis do Alcorão, certamente acreditaria tratar-se de um mau Espírito. O mesmo se daria com um judeu, pelo que toca a certas práticas da lei de Moisés. Quanto aos católicos, de um ouvimos que o Espírito que se comunica não podia deixar de ser o diabo, porque se permitira a liberdade de pensar de modo diverso do dele, acerca do poder temporal, se bem que, em suma, o Espírito não houvesse pregado senão a caridade, a tolerância, o amor do próximo e a abnegação das coisas deste mundo, preceitos todos ensinados pelo Cristo.

Não sendo os Espíritos mais do que as almas dos homens e não sendo estes perfeitos, o que se segue é que há Espíritos igualmente imperfeitos, cujos caracteres se refletem nas suas comunicações. E fato incontestável haver, entre eles, maus, astuciosos, profundamente hipócritas, contra os quais preciso se faz que estejamos em guarda. Mas, porque se encontram no mundo homens perversos, é isto motivo para nos afastarmos de toda a sociedade? Deus nos outorgou a razão e o discernimento para apreciarmos, assim os Espíritos, como os homens. O melhor meio de se obviar aos inconvenientes da prática do Espiritismo não consiste em proibi-la, mas em fazê-lo compreendido. Um receio imaginário apenas por um instante impressiona e não atinge a todos. A realidade claramente demonstrada, todos a compreendem.

47. Sistema otimista. - Ao lado dos que nestes fenômenos unicamente vêem a ação do demônio, estão outros que tão-somente hão visto a dos bons Espíritos. Supuseram que, estando liberta da matéria a alma, nenhum véu mais lhe encobre coisa alguma, devendo ela, portanto, possuir a ciência e a sabedoria supremas. A confiança cega, nessa superioridade absoluta dos seres do mundo invisível, tem sido, para muitos, a causa de não poucas decepções. Esses aprenderão à sua custa a desconfiar de certos Espíritos, quanto de certos homens.

48. Sistema unispírita, ou mono-espírita. - Como variedade do sistema otimista, temos o que se baseia na crença de que um único Espírito se comunica com os homens, sendo esse Espírito o Cristo, que é o protetor da Terra. Diante das comunicações da mais baixa trivialidade, de revoltante grosseria, impregnadas de malevolência e de maldade, haveria profanação e impiedade em supor-se que pudessem emanar do Espírito do bem por excelência. Se os que assim o crêem nunca tivessem obtido senão comunicações inatacáveis, ainda se lhes conceberia a ilusão. A maioria deles, porém, concordam em que têm recebido algumas muito ruins, o que explicam dizendo ser uma prova a que o bom Espírito os sujeita, com o lhes ditar coisas absurdas. Assim, enquanto uns atribuem todas as comunicações ao diabo, que pode dizer coisas excelentes para tentar, pensam outros que só Jesus se manifesta e que pode dizer coisas detestáveis, para experimentar os homens. Entre estas duas opiniões tão opostas, quem sentenciará? O bom-senso e a experiência. Dizemos: a experiência, por ser impossível que os que professam idéias tão exclusivas tudo tenham visto e visto bem.

Quando se lhes objeta com os fatos de identidade, que atestam, por meio de manifestações escritas, visuais, ou outras, a presença de parentes ou conhecidos dos circunstantes, respondem que é sempre o mesmo Espírito, o diabo, segundo aqueles, o Cristo, segundo estes, que toma todas as formas. Porém, não nos dizem por que motivo os outros Espíritos não se podem comunicar, com que fim o Espírito da Verdade nos viria enganar, apresentando-se sob falsas aparências, iludir uma pobre mãe, fazendo-lhe crer que tem ao seu lado o filho por quem derrama lágrimas. A razão se nega a admitir que o Espírito, entre todos santo, desça a representar semelhante comédia. Demais, negar a possibilidade de qualquer outra comunicação não importa em subtrair ao Espiritismo o que este tem de mais suave: a consolação dos aflitos? Digamos, pura e simplesmente, que tal sistema é irracional e não suporta exame sério.

49. Sistema multispírita ou polispírita. - Todos os sistemas a que temos passado revista, sem excetuar os que se orientam no sentido de negar, fundam-se em algumas observações, porém, incompletas ou mal interpretadas. Se urna casa for vermelha de um lado e branca do outro,' aquele que a houver visto apenas por um lado afirmará que ela é branca, outro declarará que é vermelha. Ambos estarão em erro 'e terão razão. No entanto, aquele que a tenha visto dos dois lados dirá que a casa é branca e vermelha e só ele estará com a verdade. O mesmo sucede com a opinião que se forme do Espiritismo: pode ser verdadeira, a certos respeitos, e falsa, se se, generalizar o que é parcial, se se tomar como regra o que constitui exceção, como o todo o que é apenas a parte. Por isso dizemos que quem deseje estudar esta ciência deve observar muito e durante muito tempo. Só o tempo lhe permitirá apreender os pormenores, notar os matizes delicados, observar uma imensidade de fatos característicos, que lhe serão outros tantos raios de luz. Se, porém, se detiver na superfície, expõe-se a formular juízo prematuro e, conseguintemente, errôneo.

Eis aqui as conseqüências gerais deduzidas de uma observação completa e que agora formam a crença, pode-se dizer, da universalidade dos espíritas, visto que os sistemas restritivos ano passam de opiniões insuladas:

1. Os fenômenos espíritas são produzidos por inteligências extracorpóreas, às quais também se dá o nome de Espíritos;
2. Os Espíritos constituem o mundo invisível; estão em toda parte; povoam infinitamente os espaços; temos muitos, de contínuo, em torno de nós, com os quais nos achamos em contacto;
3. Os Espíritos reagem incessantemente sobre o mundo físico e sobre o mundo moral e são uma das potências da Natureza;
4. Os Espíritos não são seres à parte, dentro da criação, mas as almas dos que hão vivido na Terra, ou em outros mundos, e que despiram o invólucro corpóreo; donde se segue que as almas dos homens são Espíritos encarnados e que nós, morrendo, nos tomamos Espíritos;
5. Há Espíritos de todos os graus de bondade e de malícia, de saber e de ignorância;
6. Todos estão submetidos à lei do progresso e podem todos chegar à perfeição; mas, como têm livre-arbítrio, lá chegam em tempo mais ou menos longo, conforme seus esforços e vontade;
7. São felizes ou infelizes, de acordo com o bem ou o mal que praticaram durante a vida e com o grau de adiantamento que alcançaram. A felicidade perfeita e sem mescla é partilha unicamente dos Espíritos que atingiram o grau supremo da perfeição;
8. Todos os Espíritos, em dadas circunstâncias, podem manifestar-se aos homens; indefinido é o número dos que podem comunicar-se;
9. Os Espíritos se comunicam por médiuns, que lhes servem de instrumentos e intérpretes;
10. Reconhecem-se a superioridade ou a inferioridade dos Espíritos pela linguagem de que usam; os bons sé aconselham o bem e só dizem coisas proveitosas; tudo neles lhes atesta a elevação; os maus enganam e todas as suas palavras trazem o cunho da imperfeição e da ignorância.

Os diferentes graus por que passam os Espíritos se acham indicados na Escala Espírita (O Livro dos Espíritos, parte II, capítulo I, n. 100). O estudo dessa classificação é indispensável para se apreciar a natureza dos Espíritos que se manifestam, assim como suas boas e más qualidades.

50. Sistema da alma material. - Consiste apenas numa opinião particular sobre a natureza íntima da alma. Segundo esta opinião, a alma e o perispírito não seriam distintos uma do outro, ou, melhor, o perispírito seria a própria alma, a se depurar gradualmente por meio de transmigrações diversas, como o álcool se depura por meio de diversas destilações, ao passo que a Doutrina Espírita considera o perispírito simplesmente como o envoltório fluídico da alma, ou do Espírito. Sendo matéria o perispírito, se bem que muito etérea, a alma seria de uma natureza material mais ou menos essencial, de acordo com o grau da sua purificação.

Este sistema não infirma qualquer dos princípios fundamentais da Doutrina Espírita, pois que nada altera com relação ao destino da alma; as condições de sua felicidade futura são as mesmas; formando a alma e o perispírito um todo, sob a denominação de Espírito, como o gérmen e o perisperma o formam sob a de fruto, toda a questão se reduz a considerar homogêneo o todo, em vez de considerá-lo formado de duas partes distintas.

Como se vê, isto não leva a conseqüência alguma e de tal opinião não houvéramos falado, se não soubéssemos de pessoas inclinadas a ver uma nova escola no que não é, em definitivo, mais do que simples interpretação de palavras. Semelhante Opinião, restrita, aliás, mesmo que se achasse mais generalizada, não constituiria uma cisão entre os espíritas, do mesmo modo que as duas teorias da emissão e das ondulações da luz não significam uma cisão entre os físicos. Os que se decidissem a formar grupo à parte, por uma questão assim pueril, provariam, só com isso, que ligam mais importância ao acessório do que ao principal e que se acham compelidos à desunião por Espíritos que não podem ser bons, visto que os bons Espíritos jamais insuflam a acrimônia, nem a cizânia. Daí o concitarmos todos os verdadeiros espíritas a se manterem em guarda contra tais sugestões e a não darem a certos pormenores mais importância do que merecem. O essencial é o fundo.

Julgamo-nos, entretanto, na obrigação de dizer algumas palavras acerca dos fundamentos em que repousa a opinião dos que consideram distintos a alma e o perispírito. Ela se baseia no ensino dos Espíritos, que nunca divergiam a esse respeito. Referimo-nos aos esclarecidos, porquanto, entre os Espíritos em geral, muitos há que não sabem mais, que sabem mesmo menos do que os homens, ao passo que a teoria contraria é de concepção humana. Não inventamos, nem imaginamos o perispírito, para explicar os fenômenos. Sua existência nos foi revelada pelos Espíritos e a experiência no-la confirmou (O Livro dos Espíritos, n. 93). Apóia-se também no estudo das sensações dos Espíritos (O Livro dos Espíritos, n. 257) e, sobretudo, no fenômeno das aparições tangíveis, fenômeno que, de conformidade com a opinião que estamos apreciando, implicaria a solidificação e a desagregação das partes constitutivas da alma e, pois, a sua desorganização.

Fora mister, além disso, admitir-se que esta matéria, que pode ser percebida pelos nossos sentidos, é, ela própria, o principio inteligente, o que não nos parece mais racional do que confundir o corpo com a alma, ou a roupa com o corpo. Quanto à natureza intima da alma, essa desconhecemo-la. Quando se diz que a alma é imaterial, deve-se entendê-lo em sentido relativo, não em sentido absoluto, por isso que a imaterialidade absoluta seria o nada. Ora, a alma, ou o Espírito, são alguma coisa. Qualificando-a de imaterial, quer-se dizer que sua essência é de tal modo superior, que nenhuma analogia tem com o que chamamos matéria e que, assim, para nós, ela é imaterial. (O Livro dos Espíritos, ns. 23 e 82).

51. Eis aqui a resposta que, sobre este assunto, deu um Espírito:

"O que uns chamam perispírito não é senão o que outros chamam envoltório material fluídico. Direi, de modo mais lógico, para me fazer compreendido, que esse fluido é a perfectibilidade dos sentidos, a extensão da vista e das idéias. Falo aqui dos Espíritos elevados. Quanto aos Espíritos inferiores, os fluidos terrestres ainda lhes são de todo inerentes; logo, são, como vedes, matéria. Daí os sofrimentos da fome, do frio, etc., sofrimentos que os Espíritos superiores não podem experimentar, visto que os fluidos terrestres se acham depurados em torno do pensamento, isto é, da alma. Esta, para progredir, necessita sempre de um agente; sem agente, ela nada é, para vós, ou, melhor, não a podeis conceber. O perispírito, para nós outros Espíritos errantes, é o agente por meio do qual nos comunicamos convosco, quer indiretamente, pelo vosso corpo ou pelo vosso perispírito, quer diretamente, pela vossa alma; donde, infinitas modalidades de médiuns e de comunicações.

"Agora o ponto de vista científico, ou seja: a essência mesma do perispírito. Isso é outra questão. Compreendei primeiro moralmente. Resta apenas uma discussão sobre a natureza dos fluidos, coisa por ora inexplicável. A ciência ainda não sabe bastante, porém lá chegará, se quiser caminhar com o Espiritismo. O perispírito pode variar e mudar ao infinito. A alma é o pensamento: não muda de natureza. Não vades mais longe, por este lado; trata-se de um ponto que não pode ser explicado. Supondes que, como vós, também eu não perquiro? Vós pesquisais o perispírito; nós outros, agora, pesquisamos a alma. Esperai, pois." - Lamennais.

Assim, Espíritos, que podemos considerar adiantados, ainda não conseguiram sondar a natureza da alma. Como poderíamos nós fazê-lo? E, portanto, perder tempo querer perscrutar o principio das coisas que, como foi dito em O Livro dos Espíritos (ns. 17 e 49), está nos segredos de Deus. Pretender esquadrinhar, com o auxílio do Espiritismo, o que escapa à alçada da humanidade, é desviá-lo do seu verdadeiro objetivo, é fazer como a criança que quisesse saber tanto quanto o velho. Aplique o homem o Espiritismo em aperfeiçoar-se moralmente, eis o essencial. O mais não passa de curiosidade estéril e muitas vezes orgulhosa, cuja satisfação não o faria adiantar um passo. O único meio de nos adiantarmos consiste em nos tornarmos melhores. Os Espíritos que ditaram o livro que lhes traz o nome demonstraram a sua sabedoria, mantendo-se, pelo que concerne ao princípio das coisas, dentro dos limites que Deus não permite sejam ultrapassados e deixando aos Espíritos sistemáticos e presunçosos a responsabilidade das teorias prematuras e errôneas, mais sedutoras do que sólidas, e que um dia virão a cair, ante a razão, como tantas outras surgidas dos cérebros humanos. Eles, ao justo, só disseram o que era preciso para que o homem compreendesse o futuro que o aguarda e para, por essa maneira, animá-lo à prática do bem. (Vede, aqui, adiante, na 2ª parte, o cap. 1º: Da ação dos Espíritos sobre a matéria.)